N/A: esse capítulo pode conter gatilhos e conteúdo sensível
(João Vitor, 12 anos)
Segunda-feira, 28 de agosto de 2006– Ei. — Priscila entra no meu quarto de repente. Eu estava lendo um livro que Gio me enviou para que eu consiga me distrair. – Vamo ali comigo.
– Aonde? — pergunto confuso e ela nega fraco com a cabeça.
– Separa umas roupas e pega o que você quiser levar pra te distrair. — responde e sinto meu peito apertar.
– Para onde vamos? — pergunto insistente.
– Vamos viajar, tá bem? — pergunta me oferecendo um sorriso pequeno forçado e minha expressão se fecha mais em confusão.
– E a escola? — pergunto e observo sua expressão vacilar. Ela morde o lábio e me olha agoniada.
– Mamãe resolve depois, agiliza ai. — avisa.
Meu corpo esquenta e meus olhos ardendo pelo uso do apelido. Ela nunca se chamava assim.
Sinto meu peito apertado em angústia por sentir que alguma coisa estava errada. Tento não pensar demais e focar em arrumar minhas coisas. Coloco os livros que Gio me enviou, carregador, fone de ouvido e algumas das minhas roupas preferidas.
Saio da casa e Priscila já está me esperando dentro do carro. Minha mão vai para meu cordão em reflexo e respiro fundo.
Durante o caminho, escolho tirar o fone de ouvido da mochila e coloco alguma música qualquer no volume máximo. Fecho os olhos com a melodia calma e descanso sem perceber, preferindo não prestar atenção no caminho.
Desperto com o carro freando em frente a uma casa alta e me viro confuso para Priscila, que já me encarava.
– Vamos? — pergunta e afirmo em silêncio.
Ela vai andando na frente, entrando no local, e eu tento acompanhar seu passo atrás dela.
Consigo ouvir risadas de crianças por cima da música em meu fone e me pergunto onde estamos.
Vejo Priscila conversando com uma senhora mais na frente e não arrisco tentar ouvir o que está acontecendo com medo de descobrir algo que não gostaria de saber.
A senhora entregou alguns papéis para Priscila e ela se virou para mim, sem qualquer expressão em seu rosto, parecendo lutar contra seus próprios sentimentos. Se ajoelhou para ficar na minha altura, tirou um dos lados do meu fone e segurou minha mão.
– Desse jeito é melhor pra você, tá bem? — avisou calma.
– De que jeito? — pergunto confuso e sinto meus olhos pinicando como aviso prévio de um choro.
Ela não responde, mas se levanta e pondera alguma atitude, me encarando como se esperasse alguma reação.
– Desse jeito como, mãe? — pergunto tentando me controlar, mas ela não responde, apenas toca meu ombro, sorri fraco, vira as costas e vai embora.
Minha respiração acelera e minha cabeça ameaça doer em confusão. Sinto alguém tocando meu ombro e me viro para observar a senhora que antes conversava com Priscila e só quando ela afasta as lágrimas de meu rosto que eu percebo como elas rolavam incessantes por minhas bochechas.
– Vai ficar tudo bem — ela avisa sinto meu corpo doer de desespero.
– Ela vai voltar, não vai? — pergunto com um último fio de esperança restante em meu sangue. A senhora se ajoelha e me abraça sem me responder e finalmente sinto meu corpo ceder.
Agarro seus braços tentando me salvar do vazio repentino que afoga meu peito e tudo que ela faz e me abraçar de volta, deixando que minhas lágrimas molhe sua roupa e que meus soluços atordoem nossos ouvidos.
E pela primeira vez em anos, sinto toda a dor alojada em mim desde o falecimento do meu pai desabar.
Toda a necessidade criada em mim de amadurecer cedo para ser suficiente e emocionalmente independente para mim mesmo por saber que não era sempre que eu teria o apoio de quem eu deveria chamar de mãe, sendo destruída em segundos.
Eu não reconhecia mais a Priscila como mãe, mas não esperava o baque da dor de perceber que ela não me reconhecia mais como seu filho.
Naquele dia, abraçado em uma senhora que eu não conhecia, confuso pelos motivos que levou Priscila a tomar sua decisão e com uma música qualquer tocando em um dos lados do meu fone, foi quando me permiti me sentir imaturo e sentimental pela primeira vez depois de muito tempo.
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Braços de Amor | Pejão
FanfictionDentre tantas coincidências da vida, Pedro Tófani, um jovem de 18 anos que busca sua independência para realizar seus sonhos, encontra com João Vitor, que com seus meros 17 anos, precisou aprender a amadurecer cedo para se virar sozinho. À medida qu...