Quarto 202 à Noite

Capítulo Um

Dia anterior

— Rebeca Andrade.

Simone amarrotou a testa como quem não tivesse ouvido bem, porque era uma verdadeira suspeita. Um de seus ouvidos tinha nele um AirPod deixando rastros da intro de Open Arms por SZA e Travis Scott quando a voz de Jordan atravessou o que estava livre. Foi de tal forma pega de surpresa, que ousou estremecer quando o nome em questão emergiu numa conversa que sequer sabia estar acontecendo.

Ela estava demasiado focada em seu telefone quando o nome que lhe preenchia a visão, fez o mesmo com os ouvidos. Mal se tinha dado conta de que a curiosidade era tamanha que o brilho ou a exposição de tela não lhe era incômoda, mesmo com companhia extra para o vôo no qual estava rumo à cidade francesa.

Alheia ao ambiente calmo deste já na sua quinta hora, Simone mal se deu conta de que o queixo de Jordan, sua colega de time, quase lhe ia no ombro. Os olhos curiosos e escuros da outra ginasta quase saltaram de sua cara quando reproduziu em voz alta o que tinha visto, mesmo que a nenhum dos outros verdadeiramente interessasse.

Sunisa sequer tirou os olhos de seu iPad quando disse, com uma pitada ácida e humorística: — Uh, essa é boa.

— Medalha em todas que se classificou no campeonato – a outra ia falando. – Ouro no salto.

— Não tem como ela não se lembrar desse feito.

Era óbvio ser um dos pontos fortes para Simone lhe fazer olhos distintivamente – saber do seu potencial. Mas para isso teria de estar em sua aba de competições algures à Internet, não em seu Instagram, evitando ser pega fuçando actualizações mais recentes do percurso que também seguiria.

— Sem ressentimentos – murmurou com ironia.

Com rapidez, sacudiu o celular e o corpo em frente à companheira, como forma de fazê-la entender seu incômodo repentino. Mesmo que o aspeto todo fosse convidativo, detestava que lhe invadissem a privacidade, e Chiles não tinha aquela tipicidade. Então era preciso ser óbvia demais para que até ela percebesse seu interesse invulgar.

— Não deveria meter sua cabeça enorme no meu celular, sabe disso.

— Mas você está stalkeando ela.

— Todas as ginastas, basicamente.

— Todas? Você mal saberia sobre nós se não integrássemos a mesma time.

— Não sei onde quer chegar.

Sabia perfeitamente, na verdade, mas obviamente se recusaria a admitir. Quais seriam as presunções de Jordan, afinal, que sequer a conhecia sem ser no ramo atlético? Não iria muito longe. E, se fosse, lhe podia acusar desse feito.

Era ágil com desculpas porque já as tinha previsto, então contava que nenhuma delas ousasse desobedecer seu roteiro e desmascarar suas intenções tão evidentes e vulgares. Nada ousou lhe tirar o juízo de tamanha forma como a brasileira estava fazendo com ela. Pior. Sem que sequer soubesse.

— Calma também – lançou uma goma à boca, sacudindo os dedos para dentro do pacote. – Não estou dizendo que é proibido ser fissurada por ela.

Com um rolar de olhos, disfarçou a vergonha que teve em ser pega no flagra em seu Instagram decorado, rolando entre as diversas fotos e vídeos que compunham sua galeria. Não se importava de apertar ao áudio de alguns deles e descartar sua boa lista de reprodução por sua cantoria improvisada ou qualquer que fosse a trilha sonora de seu charme desmedido.

— Eu não sei você, Jordan, mas eu acho que ela está mesmo ficando paranóica com a latina.

— Eu também ficaria.