Capítulo Quatro

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Já disse que não gosto que me questione.

Questionar é me beneficiar da dúvida. Tenho cem porcento de certeza de que aquele vagabundo se estava engraçando para você. Mais cem porcento de que se apercebeu. Mais cem de que estava adorando a atenção.

Como é que é? – Rebeca perguntou incrédula. – Quantas vezes vou ter de dizer para não agir como se fosse sua propriedade?

Talvez devesse ser. Aí me poupava a mim dos nervos e a dele de ter a carreira destruída.

Simone estava sentada à beirada da cama do quarto individual de Rebeca quando a discussão começou. Ambas ainda estavam frescas da festa que haviam abandonado, em seus trajes adequados ao momento. Isso por exceção de Simone, que já estava descalça – seus pés livres das botas originalmente calçadas.

Na época, não era típico que tivessem desentendimentos, mas quando os tinham estes eram capazes de levá-las ao limite, mas principalmente Simone, cujas virtudes nunca tiveram a paciência no meio. Era sempre ela a apelar pelo linguajar chulo e sujo quando as coisas não iam de acordo a sua vontade, e aquela vez não era diferente.

Tudo tinha começado há horas atrás do antigo dia quando, na segunda festa pelo comitê olímpico daquela edição, Rebeca aceitou o coquetel de um dos atletas que lhe tentava fisgar. Era normal que investissem nela daquela forma, mas desde que Simone a tinha beijado que o cenário passava a mudar do contexto. Era quase como lhe vigiasse, mas disfarçava lindamente. Até o momento.

Ela, é claro, era ainda menos fã de dividir a atenção de Rebeca em meados de dois mil e vinte, por isso não tardou a abandonar o evento, vendo a mulher logo atrás de si enquanto pedia por um táxi. Batia o pé ao ouvir Rebeca chamá-la vezes sem conta, para se enfiar no veículo junto dela impaciente com seu pequeno espetáculo. Era a primeira vez que se desentendiam ao ponto dela lhe deixar para trás, então sobravam alguns pontos por entender.

Essa sua mania de obsessão tem que acabar – desdenhou Andrade. – Acordamos que ficaríamos uma vez e agora está agindo como se eu fosse um animal de estimação.

Quando Andrade lhe olhou de esguelha, Simone amarfanhou a testa ao erguer as sobrancelhas. Seus lábios se entreabriram em surpresa, antes de se fecharem e ela soltar uma gargalhada seca, sacudindo o corpo que se apoiava das palmas atrás de sua costa.

Quer que eu diga o quê, dessa vez? Que eu concordo?

Você vai?

Não olhe para mim como se esperasse o pior de mim – vociferou. – Eu nunca insinuei que fosse um animal de estimação e vou morrer antes que enlouqueça até o ponto. Eu só tive de escutar você reclamar de um cara qualquer investindo em mim e não posso ficar visivelmente puta com ele só faltando babar na tua cabeça? Não fode.

A diferença é que eu estava tentando ser simpática.

E eu ia fazer o quê? Abrir as pernas?

Já estava acostumada a falta de tento na língua da estado-unidense, e era grande fã disso nela, mas ainda conseguia se surpreender nas poucas vezes em que ela não pensava antes de falar. Dava muito jeito quando sussurrava coisas nada gentis ao seu ouvido, o que descobriu gostar com ela, mas perdia o rumo quando se tratava de um assunto minimamente sério quanto aquele.

Você só é mais acanhada, já expliquei – disse em um tom mais baixo. – É raro quando... Não mude o foco da conversa.

Como quiser. Estava na parte de não poder agir como se você fosse minha propriedade. Continue.

Quarto 202 à NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora