Cameron - Dois Verões Atrás. -

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- Ei, pessoal aí em cima! Juro que se não descerem agora, não chamo mais. – Bocejo, girando na cadeira de rodinhas da escrivaninha e me inclinando para pegar meus tênis debaixo da cama, enquanto observo Xavier espalhado no colchão com um sorrisinho de canto. Meu irmão continua gritando do andar de baixo.

- Você acha que ele vai parar mesmo? – Xavier pergunta, o colchão rangendo quando ele se ergue, se espreguiça, tira o celular do carregador e vai em direção à porta.

- Até parece que você não conhece o Caio. – Respondo, seguindo Xavier e arrastando a mala comigo, descendo as escadas devagar e finalmente obedecendo ao que parece ser o quinto berro de Caio nos mandando descer.

- Graças a Deus! – Caio exclama, exasperado, dando as costas para nós e resmungando mais algumas coisas que ignoro, ocupado demais com a visão de Cris, meu irmão mais velho, encostado na porta da frente, me encarando.

Um frio revira meu estômago, e desvio o olhar, cutucando Xavier para que ele continue andando. Mas a velocidade de raciocínio dele consegue ser mais lenta do que a minha, então ele apenas tira os olhos da tela e franze a testa para mim, indiferente ao olhar congelante de Cris que claramente diz: “vamos ter uma conversa depois.”

Saímos para o lado de fora e colocamos as malas no carro, prontos para partir, até que Cris sinaliza para que eu vá até ele. Ignoro, fingindo talvez de forma nada convincente que não o vi, e sigo em direção à BMW dos pais de Xavier.

- Cameron. – Sua voz severa me chama, e eu paro no meio do caminho, suspirando e trocando um olhar com Xavier, que parece finalmente perceber a tensão no ar. Como o ótimo melhor amigo que ele é, apenas me lança uma continência e entra em seu carro.

Dou meia-volta, caminhando a passos propositalmente lerdos até nossa Mercedes branca estacionada, e me sento no banco do meio, com Caio vindo logo atrás e fechando a porta, mergulhando nós três em um silêncio estranho.

Fixo minha atenção no banco do carona vazio, o lugar que costumava ser de nossa mãe antes de ela morrer há 5 anos, e que nenhum de nós se atreve a ocupar desde então, como se tivéssemos feito um acordo silencioso para preservar o lugar que sempre será dela, por mais que agora estejamos bem maiores do que há cinco anos e tenhamos que nos espremer. Mas nenhum de nós reclama, então acho que vamos continuar assim até que...

- Você sabe como é importante ser pontual, não sabe? – A voz de Cris interrompe meus devaneios, e me seguro para não revirar os olhos porque, quando ele diz que algo é "importante", na verdade quer dizer que é importante para nosso pai, logo, é uma lei em nossa casa.

Assinto, distraído com a irritação que suas palavras me causaram, e mordo a língua para me impedir de dizer algo de que possa me arrepender depois.

- Espero que saiba mesmo. – Ele continua, colocando o cinto de segurança e abrindo a janela ao ver nosso pai se aproximando. – Sinceramente, não sei nem porque o pai deixou você ciente disso tudo. É óbvio que você ainda não tem idade pra isso.

Ele não se dá ao trabalho de falar baixo, então tenho certeza de que nosso pai o escutou. Isso me faz encará-lo, o que acho que era seu objetivo ao me deparar com sua satisfação mal disfarçada. Dessa vez, nem me esforço para me impedir de revirar os olhos.

- Você começou a ir pro trabalho com o pai quando tinha a minha idade! – Retruco, no momento exato em que papai entra no carro e o liga, provavelmente já exausto dessa discussão.

- É diferente, você sabe...

- É, eu entendi isso nas últimas seis vezes que você disse.

Papai dá a partida no carro, e o vento que entra pela janela aberta do lado de Cris bagunça seus cabelos sempre tão perfeitamente alinhados. Por um segundo, me distraio com essa visão e com a semelhança com a imagem que vejo no espelho todos os dias.

- Deixa ele, cara, não é como se ele fosse realmente se envolver. – Caio tenta me defender, de um jeito que não me agrada nem um pouco, mas acho valeu a intenção.

De qualquer forma, não faz diferença. Cris continua com o rosto torcido de desgosto e eu continuo o desafiando em silêncio para que ele prossiga. Mas, por mais que não goste da ideia de me incluir nos negócios planejados para este verão, Cris gosta ainda menos de desapontar nosso pai, que odeia discussões enquanto está dirigindo. Então Cris não fala mais nada sobre o assunto.

- Até porque, Cameron vai estar bem ocupado dando continuidade ao nosso Legado, não vai? – Caio me dá uma cotovelada, e Cris suspira, emburrado com o tom pomposo de Caio ou com o que ele quis dizer com essa frase.

- O que? – Me viro para Caio, que está com seu típico sorriso malandro. Ele tira o celular do bolso, e a notificação chega no meu em seguida com um bip alto.

Abro a mensagem, confuso, clicando para baixar o arquivo sem nome que ele me mandou. Fico cada vez mais perdido ao passar as páginas no drive.

- Que droga é essa? – Pergunto, sentindo o sorriso de Caio crescer mesmo sem olhar para ele, ainda passando as páginas e mais páginas de tabelas, listas e rascunhos de algo que parece um anúncio.

- Olha a boca! – Papai se manifesta pela primeira vez desde que entrou no carro, e nós três pedimos desculpas ao mesmo tempo, mesmo que ele só tenha falado comigo.

- Duvido que ele também não tenha idade para isso. – Caio provoca, e a falta de resposta de Cris deixa claro que, contrariando o universo, ele não vai começar uma discussão por causa disso também, por mais que eu não faça ideia do que "isso" significa.

Outra mensagem chega e diz apenas “não me decepcione”. Então minha ficha cai.

“Tá de brincadeira” mando de volta, mas eu sei que ele não está, que nenhum deles está.

Abro o arquivo de novo e leio com mais atenção, me esforçando para desembaralhar as listas de convidados, o rascunho do cronograma e o design do convite.

- Não conheço metade dessas pessoas. – Penso em voz alta, e de repente sinto o olhar reprovador de Cris sobre mim outra vez e imediatamente me viro para papai, que continua preso na estrada, fingindo não ter escutado o que eu disse.

Bom, de qualquer forma, não é como se ele não soubesse tudo o que Caio e Cris vêm aprontando nas férias. Até entrarem para a firma de advogados da família e abandonarem seu "legado" uma série de festas épicas e brincadeiras instigantes que eles e alguns de seus amigos fazem ou melhor, faziam, durante o verão, o tipo de evento que se tornou uma tradição e que qualquer pessoa que frequentasse East Hampton tanto quanto nós já teria ouvido falar das loucuras que aconteciam nessas noites.

E agora, eles estão praticamente me autorizando a fazer tudo, ou quem sabe até mais, dessas loucuras de que só ouvi falar. Porque, apesar de os organizadores dessas noites serem meus irmãos e seus amigos, que são praticamente da família, nenhum deles nunca deixou que eu ou os outros caras participássemos. Mas isso não impedia os boatos que circulavam nos dias seguintes às festas: as garotas, os desafios e as drogas... Cacete, será que eu estou à altura para fazer acontecer algo desse tamanho?

Caio deve ter sentido minha hesitação porque seu cotovelo atinge minhas costelas de novo, só que com mais gentileza, como se quisesse me lembrar que está logo ali do lado. E, por mais que eu saiba o quão distante ele, Cris e papai se tornaram desde a morte da mamãe, não consigo deixar de ficar grato por ele ainda reconhecer quando estou inseguro, por ainda fazer questão de me lembrar que está aqui, mesmo que nem sempre de fato esteja.

Outra notificação pisca na tela, desta vez de Cris, e eu abro com um sorriso desdenhoso antes mesmo de ler o que ele escreveu.

“Você sabe que isso não é só para você, né pirralho.”

“Não faça nenhuma merda de que eu vá me arrepender.”

Engulo meu riso, respondendo com um emoji de joinha, só porque sei que isso o deixa puto. Em seguida, mando o arquivo para o grupo onde estamos eu, Xavier e os outros caras, os que cresceram comigo e que são tão meus irmãos quanto Caio e Cris, até mais se considerarmos tudo... O ponto é que os irmãos deles também são amigos de Cris e Caio, os que começaram com essa história de Legado, agora passando essa responsabilidade para nós.

É, eu disse que era todo mundo praticamente da família.

Xavier: “O que é isso?”

Eu: “Nada.”

Eu: “Só a maior bagunça que East Hampton vai ver neste verão.”

Para Todas As Garotas Viciadas Em Amar. - Em Andamento. -Onde histórias criam vida. Descubra agora