Cinco minutos de soco

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Os primeiros dias após o incidente passaram cruelmente tranquilos.

Para Cecília era como se ela estivesse de pré-aviso. Ela não havia comentado mais nada com Roberto desde a briga, mas também não se entregava mais ao casamento como costumava fazer. Apenas se certificava de que o marido estivesse bem, sem dor e seguindo as recomendações médicas direitinho. Apenas o mínimo.

Para Roberto as coisas eram mais complicadas. Queria ao menos permanecer em pé sem a ajuda daqueles apoios metálicos, queria ter estômago pra reiniciar "a conversa", dessa vez ele esperava que fosse de forma mais calma e civilizada, mas os remédios fortes o deixavam nauseado por si só. Além disso, ele sabia que Cecília não queria tocar no assunto, era notável toda vez que ela desviava os olhos do seu olhar. Mas apesar de tudo, ele estava grato por todo o cuidado e carinho que ela, mesmo que tentando se conter, dispunha. O problema, no entanto, era que a sensação de calmaria antes da tempestade era sufocante pra ambos.

- Bom dia, amor. - Roberto saudou a esposa quando finalmente saiu do quarto. Ele estava acordando tarde, diferente dela, que tinha o relógio biológico muito bem treinado.

- Oi, bom dia. - ela respondeu, enchendo um copo d'água no filtro - Dormiu bem? Sentiu dor?

Durante a noite, Cecília acabou acordando algumas vezes com os resmungos do marido. Pelas expressões faciais dele, parecia estar com dor, mas quando tentou acordá-lo ele apenas se virou pro outro lado e dormiu de novo.

- Dormi sim, esse remédio dá um sono danado. - se sentou na cadeira de sempre, apanhando um pouco pra ajeitar as muletas na parede ao lado. - Olha, que eu me lembre não doeu não, por quê?

- Você gemeu um pouco essa noite, tentei te acordar, mas cê nem "tchum".

As coisas fizeram sentido na cabeça dele.

Roberto não tinha sentido dor. Ele tinha sonhado com o tenente Queiroz, mais uma vez.

Desde o velório e enterro do amigo (que ele fez absoluta questão de ir, apesar das recomendações médicas) os pesadelos eram frequentes, quase todas as noites.

Ele sonhava com o momento da morte de Paulo, com o amigo voltando pra cobrar ele, sonhava com a cena da mulher e das filhas dele chorando em cima do caixão como se o mundo delas houvesse acabado. E realmente tinha.

Mas nesta noite Roberto teve um pesadelo inédito. Ao invés do tenente Queiroz, era ele quem se jogava para segurar o garotinho, era Cecília quem chorava no caixão dele. Ele via tudo em terceira pessoa, como acontece normalmente nos sonhos, então ele pôde ver seu próprio corpo jogado ao chão ensanguentado e depois pôde ver seu cadáver dentro do caixão bonito de madeira nobre e toda a cerimônia fúnebre honrosa. E depois viu a esposa, descontrolada, gritando pra que ele voltasse pra ela. Foi doloroso pra ele, mas foi mais doloroso ainda acordar e não ter certeza de que a esposa realmente choraria caso ele morresse.

- Ah, foi nada não! Devo ter sonhado com alguma coisa, sei lá. - tentou desviar o assunto.

- Sonhou com o Paulo de novo, Beto? - mas a esposa o conhecia como ninguém.

Depois do acidente, eles acabaram tendo que conversar pelo menos o mínimo sobre o que tinha acontecido naquele feriado tenebroso. Roberto pediu desculpas pela forma como agiu o dia todo e contou exatamente o que o tinha transtornado tanto a ponto de mandar a esposa calar a boca. Cecília chegou até a sentir remorso pelas coisas que estava cobrando justo naquele dia. Ela não estava errada, mas ao trazer suas reclamações naquele momento ela sabia que tinha sido insensível e imatura.

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⏰ Última atualização: Aug 13 ⏰

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