Amizade

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     Quase um ano havia se passado desde que Alastor conheceu o rei do submundo. Eles se viam semanalmente. Costumavam passar tempo juntos na casa do radialista ou na praia. Algumas vezes, Charlie acompanhava o pai até o mundo terreno para suas visitas à Alastor. Lúcifer não achava que poderia ser possível, mas acabou se apegando ao pecador. Haviam desenvolvido um laço de amizade. 

     Os problemas com a esposa, porém, estavam fazendo com que o loiro passasse ainda mais tempo no mundo terreno. Costumava passar as madrugadas na presença de Alastor. Certa vez, se pegou observando o radialista dormir. Se xingou mentalmente por aquela atitude extremamente questionável. Não tocou no assunto, e tentava ao máximo não se lembrar daquilo. 

     — Vai ficar encarando a parede até quando? — Alastor pergunta em tom de brincadeira, vendo que fazia quase quinze minutos que o loiro estava parado de frente para a parede. Em silêncio. Parecia distante. — Quer ir dar uma volta? Já é quase uma da manhã, as ruas estão bem vazias. — O radialista sugere quando o rei finalmente se volta para si.

     — Acho que sim... Pode ser. Não temos nada melhor pra fazer mesmo. — Lúcifer ainda parecia distante. Alastor decidiu esperar um pouco para o questionar, tinha uma ideia do que poderia estar incomodando o menor. 

     Parado na varanda, esperando o moreno trancar a porta de casa, Lúcifer já não parecia mais tão alheio ao seu redor, mas ainda estava pensativo. A caminhada silenciosa foi pelo caminho que já estavam mais que acostumados a fazer. A brisa que vinha do mar estava fresca. O barulho das ondas deixava o ambiente confortável. A praia, como de costume, estava vazia. Eles foram mais uma vez — já estava virando rotina — até aquela árvore. Se sentaram e passaram mais alguns minutos em silêncio, apenas ouvindo o mar e, vez ou outra, algum carro passando. 

     Alastor estava com os olhos fechados, sentindo a brisa fresca bater em seu rosto. Lúcifer estava com seu olhar fixo no horizonte, ainda parecia distante.

     — Já tem três dias que você não desce. — O radialista comenta. — Aconteceu alguma coisa em casa, certo? Não estou reclamando de você estar aqui, é só que... é estranho você passar tanto tempo sem descer pra resolver seus assuntos, ou passar tempo com sua filha e esposa. — O loiro se vira para Alastor.

     — Lilith está mais distante que antes. — Ele força um sorriso. — Os pactos estão meio parados ultimamente. E aqui eu tenho uma companhia mais presente. Gosto de conversar com você, Alastor. Passar meu tempo contigo é divertido. Não achei que fosse possível e eu não devia, mas acho que acabei me apegando a você. Nossa relação acabou caminhando para uma amizade sem eu perceber. 

     — Fico feliz em saber que o tempo que passamos juntos o deixe feliz, majestade. É bom saber que gosta da minha companhia e amizade. — Alastor exita por um instante. — Gosto de saber que me considera um amigo. Sabe que pode contar comigo, certo? — O sorriso de Lúcifer vacila. — O que aconteceu? Eu sei que não é só isso. Você não estaria assim simplesmente por isso. O quão distante ela está?

     — Já tem mais de um mês que ela simplesmente não para em casa. Ela não deixa recados ou coisa do tipo, avisando onde está ou quando volta. — O loiro abaixa o olhar. — E já tem quase duas semanas que eu não vejo a Charlie, tentei falar com Lilith sobre isso, mas ela não respondeu minhas perguntas. Eu mal vejo minha esposa. Não tenho ideia de onde ou com quem minha filha esteja. — Uma risada amarga escapa de seus lábios. — Eu não tenho motivo nenhum pra estar lá. Gosto de ficar com você, então é mais um motivo para eu ficar por aqui, e não voltar tão cedo. 

     Alastor se ajoelha e puxa o menor para um abraço. Não tinha muito o que falar ou fazer para animar o rei, então demonstraria seu apoio em forma de afeto, ao menos tentaria confortar minimamente Lúcifer. O loiro não demora muito para retribuir o abraço, estava gostando daquela proximidade. Lilith era uma boa companheira, era amorosa, e Lúcifer a amava. Então por que aquele contato com o radialista parecia melhor que os abraços ou beijos dela? 

     Após se separarem do abraço, o silêncio volta a reinar entre eles por um curto período.

     O maior levanta e estende a mão para o rei. Ele pega na mão do outro e levanta. Ambos caminhando em silêncio novamente pelas ruas desertas por conta do horário, dessa vez voltando para a casa do radialista. 

     Ao entrarem, Alastor liga o rádio, deixando uma música tocando baixo. Ele se serve uma xícara de café e oferece uma à Lúcifer, que recusa educada e casualmente. O maior pega um livro e se senta no sofá. O loiro se senta ao seu lado. 

     Cerca de quinze minutos depois, o mais velho está deitado com a cabeça no colo de Alastor, dormindo. Aquela era a primeira vez que o moreno o via tão tranquilo. Estava descansando. Um pensamento estranho passa pela cabeça de Alastor. Ele está indefeso, agora não parece o rei do inferno, apenas um homem com alguns problemas em casa e com a família.

     Alastor passa um tempo observando o menor dormindo. Nunca havia imaginado que o ser que diziam ser tão ruim poderia ser uma companhia tão boa e... tão bonito.    

E se... (RadioApple)Onde histórias criam vida. Descubra agora