A Fortuna

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Não era incomum andar pelas florestas de Cashmir, mas na Baía de Gainer tinham tesouros inexplorados. E nenhum pirata que se prezasse tentaria cruzar a Baía sem proteção. Por isso, uma espada e duas pistolas. E claro, a proteção Vascaína.

Todos sabiam que a subtenente tinha potencial de ser capitã um dia, e alguns queriam jogá-la ao mar por isso. Seu capitão, no entanto, um homem de cabelos cacheados e olhos azuis tão claros quanto o próprio céu e vestido sempre de vermelho, deu a ela a chance de se provar digna de um dia assumir seu posto.

Ou melhor, ter sua própria frota. Ser capitã de um navio Vascaíno. O sonho de princesa de quem sempre andou pelos mares mesmo que da forma menos prática possível. E a Baía de Gainer não era nenhum pouco diferente dos outros obstáculos que ela havia passado até ali.

— Mais um pouco e eu atiro em você, Friederivsk! — Murmurou um homem abaixado no meio do mato.

A mulher deu de ombros. Humanos morriam fácil. Elfos? Elfos viviam centenas de anos. Ela estava pronta para seu maior desafio até então.

— Tem certeza disso? — Ele perguntou, o dedo no gatilho tremendo.

Friederivsk revirou os olhos e bufou, soprando uma mexa do cabelo platinado para fora de vista.

— Quer atirar, André? — Ela perguntou, apontando com a cabeça para os outros saqueadores testando a sorte na areia negra da praia amaldiçoada pelos Deuses Antigos.

O homem fechou os olhos e soltou um muxoxo.

Carecas, pensou Friederivsk, revirando os olhos. Correndo e fazendo com que seu comparsa se assustasse e gritasse um alto “Ou!”, ela atirou com maestria nos quatro saqueadores. Cada bala bateu exatamente onde deveria bater. Cabeças.

— Carecas, — Ela resmungou, se virando para seu amigo André. — Vem, ô cabeção! Precisam de duas pessoas pra levar todo o ouro!

É. Eram preciso duas pessoas, mas não pelo peso. O navio estava metade dentro d'água, numa posição inclinada um tanto quanto estranha, e o tesouro estava quase todo submerso. Eram preciso duas pessoas. Uma dentro d'água e uma fora. Friederivsk era uma mulher leve. Ou pelo menos ela se considerava leve. André veio a passos lentos, guardando a pistola e suspirando pesado.

— Eu tenho que ficar lá dentro mesmo?

Friederivsk encarou André. Quatro segundos. Piscou. Continuou encarando até ele perceber.

— Calma… você quer entrar?

— Claro, seu energúmeno! — Ela estapeou a careca reluzente do amigo. — Eu sou mais leve!

— Não, não, — André argumentou, alisando onde a mulher havia batido. — Você acha que é mais leve. Tem diferença.

A mulher rangeu os dentes, grunhiu frustrada e simplesmente saiu andando para dentro do navio sem nenhuma cautela possível. André se desesperou um pouco, andando logo atrás.

— Com calma e jeito–

Friederivsk caiu. André berrou.

De dentro d'água tudo parecia um pouco diferente, ainda mais uma água no escuro. Claro, a mulher não era tão afetada assim pela escuridão. Os lados bons de ser metade elfa. Claro que tinham seus lados contra, mas essa era uma parte muito útil. O que não era útil era a água. Turva, estranha, mas ela conseguia ver por entre as mexas pretas e vermelhas da sua franja o corredor amaldiçoado com um tesouro que poucos se arriscavam a tentar roubar.

Friederivsk subiu para puxar mais ar. Depois de uma longa puxada de ar e responder a única pergunta que André fez (se ela tinha achado o tesouro), Friederivsk voltou para baixo d'água.

Dessa vez ela nadou cada vez mais para o fundo. Quando chegou no maior cômodo, o ouro estava grudado no chão. Tentando puxar tudo o que conseguia, Friederivsk tentou voltar para a superfície, mas o ouro se tornava cada vez mais pesado à medida que ela ia subindo. Realmente um lugar amaldiçoado. Voltando e puxando mais ar, Friederivsk voltou até onde havia deixado o tesouro.

Terceiro quarto à esquerda. Terceiro quarto à esquerda. O tesouro estava exatamente onde deveria estar. E cada vez mais pesado. Havia uma parte do navio que já havia virado comida de peixe e lá de outras criaturas, mas não custava nada checar, certo?

A mulher nadou até sair num bolsão de ar do outro lado do navio, num quarto que nem as lendas falavam sobre. Havia uma cama de casal, muito bem decorada, e a mulher se perguntou se conseguiria nadar em volta do navio com aquele ouro daquela sala. Havia também o cadáver de uma mulher aparentemente morta dormindo. Em sua mão um mapa tão frágil quanto o tempo. Uma elfa. Morta. Aquilo não se via todo dia. Ela tinha um semblante familiar. Friederivsk via aquele rosto de preocupação quando se olhava no espelho, as vezes.

— Não, não, não… — Ela riu baixo, tossindo logo em seguida. Maldita água gelada. — É isso que maldições fazem com a mente dos humanos, e você não é humana.

Continuando a catar tudo de valor que pôde ver, exceto o mapa, Friederivsk tentou nadar ao redor do navio, e descobriu que era realmente mais fácil sair daquela forma. André a esperava do outro lado, de preto o homem estava branco.

— Sentiu saudade, foi? — Friederivsk zombou, dando leves tapinhas molhados no ombro do amigo. André respirou fundo. Apontou para alguns outros homens estranhos mortos.

— Não ouviu nenhum disparo lá embaixo?

Friederivsk deu de ombros, sentindo um frio na espinha. — Não. Na verdade parecia que eu estava… Enfim.

Ela sorriu mostrando todas as pérolas e moedas de ouro e prata que ela roubou. — Olha só o que eu achei lá embaixo!

Os Contos de Drathar e os EsquecidosOnde histórias criam vida. Descubra agora