O Grande Hall

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O Primeiro Rei andou em círculos pela mesa, olhando cada um de seus vassalos. Ilhem Vladmir Tolstoi encarou a mesa com certa dificuldade, sabendo que sua esposa estava prestes a ter um difícil parto. Mais um difícil parto, ele pensou. Talvez seus genes realmente fossem amaldiçoados. Desde o Abraço ele não conseguia fazer mais nada além de se conter com o sangue de sua esposa, por mais que ela dissesse ser indolor e prazeroso o servir.

Não que fosse algo difícil continuar se alimentando sempre da mesma mulher, claro que não. Ilhem era um homem fiel. Talvez até demais. Tudo que ele queria era um filho. E Cassandra havia tentado de todas as formas o entregar o que ele mais queria.

Essa era uma noite complicada e o Rei continuava andando em círculos ao redor da Grande Mesa do Conselho. Ao lado de sua espetacular cadeira estava seu melhor paladino, seu melhor guerreiro, e O Braço de Armas do Rei. Victiym da Casa Lacost. Um garoto jovem demais para ser um dragão completo, por mais que exibisse as escamas prateadas com todo orgulho que um cavaleiro do Reino faria. Jovem demais para estar em guerra. E em guerras, navios eram necessários. E Ilhem tinha navios, como tinha.

Talvez essa fosse sua utilidade para o Rei no final das contas. Vampiros viviam por séculos, humanos talvez meio século e alguns anos. Dragões viviam por eras, e haviam cinco Casas dispostas a se unirem perante ao Verdadeiro Rei. Mas o mundo não era como o Primeiro Lar. O mundo era um lugar completamente diferente e Ilhem sabia muito bem disso. Ele já tinha visto as Ilhas Independentes de onde se construíam os melhores navios. Ele havia visto também as Ilhas de Comércio que haviam começado a se formar perto do Mar Feérico. Poucos homens atracavam seus navios ali. Fadas... Criaturas horrendas que se disfarçavam de belas damas e belos cavalheiros para–

— Ilhem? Senhor?

O Vampiro levantou os olhos. Todos do Conselho estavam calados, não faziam sequer um som. Nem mesmo a armadura pomposa de Lacost parecia fazer barulho, como se o garoto não estivesse respirando debaixo de todo aquele metal prateado e capas brancas e vermelhas.

— Sim? — Ilhem franziu o cenho. O que quer que fosse poderia esperar.

O Rei franziu o cenho. Todos fizeram o mesmo.

— Está interrompendo um importante julgamento, criado. — Lacost disse, sua voz suave demais para o Braço de Armas do Rei.

Ilhem tinha pena do garoto.

O criado tossiu, vermelho como um morango. Os olhos castanhos voaram de Ilhem para o Rei, e então para Lacost, e de volta a Ilhem.

— Seja breve, — O Vampiro concedeu.

— Um filho, meu senhor. Está feito.

O silêncio se tornou ensurdecedor. O Rei encarou Ilhem com um misto de lástima e alegria que o vampiro não sabia exatamente explicar. Mihara, a Harpia do Campo dos Seres Livres sorriu, um pouco chocada. Deu dois tapas leves no ombro do Vampiro. Lacost se moveu, mas então parou no meio do movimento de um passo e voltou atrás.

Bom garoto. Esperto.

O Rei, de longos cabelos trançados com linhas de cada cor de cada Casa dracônica sorriu, finalmente. Uma benção. Um filho! Ilhem riu baixo, ainda perplexo com a notícia.

— E Cassandra? — Perguntou, otimista.

O garoto olhou todos do Conselho. Apenas cinco mulheres numa mesa de vinte homens, sem contar Lacost e o Rei. Ele as encarou por mais tempo que encarou o próprio Rei. Talvez fosse um insulto, mas o sorriso no rosto de Ilhem foi aos poucos morrendo.

Morreu completamente quando Lacost, de todas as outras dezenove pessoas finalmente se moveu. Jovem, espirituoso, cheio de atenção e amor. Uma das mulheres levantou também. Não Mihara. Saphira. Saphira era a melhor combatente da Casa Cuprum, mesmo sendo ainda mais nova que Lacost. Os famosos Dragões de Bronze. Com uma expressão que beirava ao choro, a mais jovem Nasser se retirou da sala logo em seguida de Lacost.

Ilhem não conseguia pensar em mais nada. Tudo que vinha a sua mente era o sorriso de Cassandra. Seus longos cabelos castanhos. Como ela sorria colhendo flores no jardim durante as manhãs, quando Ilhem sequer podia olhar para as montanhas perto de seu palácio por muito tempo sem sentir seus olhos queimando, sem sentir sua pele formigando. Cassandra sempre sorria nesses momentos, porque era quando, segundo ela, ele demonstrava que a amava de verdade.

"Se você quer casar comigo, uma coisa tem que ser esclarecida," Cassandra disse, vestindo roupas de camponesa como se realmente fosse uma.

As roupas lhe caíam bem, de qualquer forma.

"Eu gosto dos dias. Sou uma pessoa que amanhece com o Sol, assim como os meus pais antes de mim. Não sou imortal. Não sou como você."

Ilhem riu naquela noite, debaixo daquela maldita árvore. Ele riu. Quase gargalhou.

"Não me importa se é rainha, clériga, bruxa, monge, druidesa. Não me importa se já roubou para viver, ou porque gosta. Não me importa se o seu deus é o Sol e o meu a Lua." Ele disse, certo de que eram as palavras que queria dizer e não simplesmente levá-la embora naquele momento. "Me importa o seu sorriso, sempre. Você, e só você."

"Só eu, meu Lorde? E se eu não puder lhe dar filhos?"

Era uma dúvida válida. Ilhem era um vampiro, um Lorde acima de tudo, um servente do Primeiro Rei. A Casa Tolstoi não seria nada se ele não continuasse a linhagem.

"Não me importa," Ele disse, com toda certeza do mundo. "Me importa só você."

Ilhem entrou no quarto desesperado, depois de correr muitas escadas e muitos corredores. Aquele maldito castelo não parecia ter fim de forma alguma. Ele até encontrou com Saphira no meio do caminho, mas não prestou muita atenção no que a dragonesa estava fazendo. Proteção, talvez. Uma prece, qualquer coisa era bem-vinda naquele momento. Ela manteve as mãos sob o peito e disse palavras em dracônico que Ilhem não estava interessado em desvendar.

— Cassandra!

O quarto estava lotado. Médicos e parteiras cercavam sua esposa como se ela fosse uma prisioneira. Talvez seus genes fossem mesmo amaldiçoados. Cassandra sorriu fraco, como sempre fazia quando não queria que Ilhem se preocupasse.

— Eu dei seu nome a ele, meu Lorde.

Sua voz estava rouca de tanto gritar, dolorida de tanto chorar, e cansada do esforço que era botar um monstro no mundo.

Ilhem soltou uma risada desgostosa pelo nariz, quase zombando da fala da esposa. Ele tinha um dos nomes mais feios entre os nobres e todos os nobres do Primeiro Lar sabiam disso. Apesar de sua beleza compensar seu estranho nome. Apenas os Seres Livres pareciam gostar do nome Ilhem como se fosse um segredo deles que nem mesmo o portador do nome sabia.

— O nome mais ridículo do mundo, — O vampiro disse, se sentando na cama ao lado de sua cansada esposa.

Ela riu fraco, tão fraco que sequer parecia ter voz o suficiente para tal ato.

— Pega ele, — Ela encorajou. — Vladimyr Tolstoi Chikai. Ou Chikai Tolstoi? O que soa melhor pra você?

Ilhem a encarou sério. Ele não respondeu.

— Ah, e… — Cassandra continuou se esforçando, mesmo com as parteiras murmurando que ela não deveria e os médicos arregalando os olhos a cada movimento que a humana frágil fazia. — Eles disseram que daqui a dois anos eu posso ter outro bebê!

— Ele é perfeito. — Ilhem disse, finalmente olhando seu filho embrulhado em mantos brancos. O garotinho tinha cabelos castanhos já bem aparentes. Iguais os da mãe, mas talvez com o tempo a maldição se contagiasse. — Nosso pequeno Vlad.

Os Contos de Drathar e os EsquecidosOnde histórias criam vida. Descubra agora