Capítulo 27 - Beijo, uma Promessa e Risco

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O som do motor era a única coisa que preenchia o silêncio entre nós. Aquela noite estava tão escura quanto os meus pensamentos e a única luz que via era a que se refletia nos olhos de Veed quando ele me lançava um olhar furtivo. Ele pensava que eu não ía notar, mas como poderia não sentir a intensidade da sua presença? Mesmo o som da chuva que começou a bater contra o pára-brisas parecia secundário quando ele estava tão perto de mim.

Estavamos no carro há horas, ou talvez apenas minutos - o tempo parecia ter perdido todo o sentido desde que nos conhecemos. Eu, que vivi séculos, encontrava-me preso num momento que não queria que terminasse. Veed estava sentado no banco do passageiro, ligeiramente inclinado na minha direção, e a proximidade dele era quase insuportável. Podia ouvir a sua respiração, lenta e controlada, mas conseguia sentir o tumulto dentro dele. Sabia que ele tinha perguntas, tantas perguntas, e que a minha presença só o deixava mais confuso.

Veed virou a cabeça, finalmente decidindo romper o silêncio que nos envolveu. "Ram, o que... o que significa isto? Nós dois... aqui... juntos? Quero dizer, porquê agora?" A sua voz tremia, mas não de medo, de incerteza. Ele quer respostas que nem eu sei se seria capaz de dar.

As minhas mãos agarraram o volante com força, um apoio para não perder o controlo. As palavras que deveria dizer eram simples, mas a complexidade do que sentia fez com que parecessem montanhas impossíveis de escalar. "Veed, eu... não sei como explicar. Há algo em ti que me atrai, algo que não posso ignorar, mesmo que queira. Mas isto... nós... é perigoso."

Ele olhou para mim com os seus olhos escuros como essa noite, mas brilhando com uma luz que nunca vi em ninguém. "Perigoso?" Ele soltou uma risada curta, quase incrédula. "Ram, viver já é perigoso. Estou aqui porque quero estar. Compreendes isso?"

A sinceridade nas suas palavras atingiram-me como uma lâmina. Não estava habituado aquele tipo de honestidade. Veed é tudo o que sou e tudo o que não posso ser ao mesmo tempo. Ele tem uma força que vem de uma vida curta e intensa, e eu, com todos os meus séculos, sou o fraco por não conseguir aceitar isso.

Respirei fundo, sabendo que estava à beira de algo irreversível. "Veed, eu não quero que te magoes. A minha vida... as minhas escolhas... tudo o que sou é uma ameaça para ti. Mas ao mesmo tempo, não consigo afastar-me."

O carro parou, não sei ao certo onde. A chuva começou a cair com mais intensidade, como se o céu estivesse a reflectir a confusão dentro de mim. Veed não respondeu de imediato. Ele olhou pela janela com as gotas de chuva a distorcerem a vista do mundo lá fora. Quando finalmente falou, a sua voz era suave, mas firme. "Ram, não sou um tolo. Sei que o que estamos a fazer não é simples. Mas talvez... talvez não seja preciso. Quero arriscar."

Havia um silêncio pesado que se instalara depois destas palavras, enquanto lutava com a minha própria hesitação. Tudo em mim gritava para afastá-lo, para protegê-lo de mim e do que represento. Mas havia também um desejo, um desejo que vai contra tudo o que pensei ser possível. "Se decidires seguir este caminho, Veed, tens de saber que não haverá volta atrás. As coisas mudarão para sempre."

Ele virou-se para mim, e a intensidade nos seus olhos quase me fez recuar. "Já estou pronto, Ram. Estou contigo."

Essas palavras foram a chave que abriu um cadeado dentro de mim. Eu, que sempre vivi na escuridão, vi uma pequena luz à minha frente. Uma luz que, embora frágil, é algo que quero proteger a todo o custo.

Olhei para Veed, e pela primeira vez, permiti-me acreditar que talvez, apenas talvez, havia algo mais para mim nesta vida eterna do que dor e solidão. Inclinei-me ligeiramente para ele, sentindo o calor do seu corpo aproximar-se do meu. O espaço entre nós pareceu encolher até que os nossos lábios estavam quase a tocarem-se.

E, num suspiro compartilhado, o inevitável aconteceu. O nosso primeiro beijo foi suave, uma promessa e um risco, tudo misturado num gesto que selava o nosso destino. A chuva caía incessante, mas dentro do carro, havia uma nova tempestade a formar-se, uma que estava disposto a enfrentar, desde que fosse com ele.

Sinódico de Sangue ( I also have it in the English Version)Onde histórias criam vida. Descubra agora