Capítulo I - Tormenta

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Hallagan Corleone

Um clarão iluminou as planícies do reino de Avarain, torneando as nuvens cinzas e carregadas que derramavam enormes quantidades de água em forma de chuva. Era quase como se as forças celestes estivessem buscando lavar a terra de algum mal, pois a chuva se iniciara cedo naquele dia e agora já permanecia na madrugada do dia seguinte. Quando o trovão alto finalmente irrompeu de algum lugar ao longe, as paredes do pequeno edifício de pedra onde um garoto dormia tremeram com a força da manifestação sonora. Assustado, os olhos do rapaz se abriram, quando, com rapidez, ele saltou da cama e procurou em seu quarto por qualquer sinal de perigo.

Nenhum outro raio brotou entre as nuvens durante alguns segundos, permitindo que o som dos batimentos cardíacos acelerados do rapaz se tornassem mais altos do que a própria chuva que jorrava dos céus e atingia o teto. Os olhos castanhos dele percorriam o aposento de um canto a outro, como se agitados pelos ventos da própria tempestade, mas não havia nada e nem ninguém ali. Após algum tempo ali parado, ele finalmente conseguiu se acalmar do breve susto e só então percebeu que seus punhos estavam cerrados com tanta força que filetes de sangue escorriam dos locais onde as próprias unhas haviam se fincado nas palmas das mãos.

Com vestes brancas e confortáveis, ele se moveu pelo quarto, caminhando em direção a uma pequena mesa de madeira onde uma vela acesa estava depositada em um castiçal prateado. O objeto tinha um arado, a ferramenta agrícola, cravado em seu centro. Aquela era a única fonte luminosa do ambiente, mas era suficiente para tornar nítida a visão do rapaz. Ao lado do castiçal estava o verdadeiro objetivo dele, uma pequena jarra prateada e um copo feito do mesmo material. Sua mão foi até o objeto maior e o inclinou, deixando que o líquido transparente escorresse ao copo, preenchendo-o até a metade antes de a jarra ser colocada de volta em seu lugar.

Ele levou o copo aos lábios ressecados e os umedeceu com a água, sentindo o líquido descer por sua garganta e atingir seu estômago vazio. A sombra feita pela vela fazia parecer que o rapaz era extremamente alto e corpulento, mas na verdade sua altura era mediana. Seu corpo era levemente magro, com alguns músculos aparentes, e seus cabelos eram castanhos como seus olhos, curtos e com singelas ondulações que lembravam os movimentos dos ventos. Sua expressão era de cansaço nítido, com olheiras abaixo dos olhos e pálpebras um tanto caídas de sono, mas seus olhos novamente se arregalaram com um novo susto.

Um baque alto preencheu o quarto quando as janelas de madeira se abriram com a força dos ventos lá fora. A chuva entrou com força no aposento, molhando o chão frio de pedra enquanto o vento apagava a vela, deixando o rapaz no completo breu. A água em seu copo não havia sido bebida por completo, mas aquilo já não tinha importância. O copo foi retornado a mesa enquanto os olhos do rapaz seguiam em direção a janela aberta. A cada clarão o quarto era iluminado brevemente antes de ser preenchido com tremores causados pelos trovões, mas algo diferente havia chamado sua atenção. Um som agudo e contínuo que irrompia do lado de fora para dentro das paredes grossas de pedra, diminuindo e aumentando em uma sequência que eram levemente familiares ao rapaz.

Ele não se moveu. Ficou ali parado, encarando a janela enquanto tentava identificar o que era aquele som e por que ele soava tão familiar. A primeira das perguntas logo foi respondida quando, agora mais intenso, o rapaz percebeu que se tratava do choro de um bebê. Como se um impulso crescesse dentro de si, ele correu em direção a janela, tomando cuidado para não escorregar na pedra molhada, e se pendurou no batente da janela. Seus olhos, no entanto, não podiam acreditar na visão que encontraram.

As planícies de Avarain eram muito conhecidas por sua coloração verde que exalava vida, mesmo em dias chuvosos, a beleza ainda era perceptível, mas não naquela noite. Não era possível ver verde algum, não era possível ver nenhum campo onde os agricultores cultivavam nas terras férteis do reino. Tudo estava tomado por água, mesmo que os instintos do rapaz insistissem na impossibilidade de tal fato. Um dia de chuva incessante não era suficiente para que tanta água se acumulasse a ponto de inundar toda a cidade, ainda mais ali, próximo ao monte onde ficava o castelo real, o ponto mais alto do reino.

Refúgio dos Caçadores - O Chamado da CaçadaOnde histórias criam vida. Descubra agora