tempo perdido

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     Não tenho mais o tempo que passou. Não posso mudar o que já me aconteceu, ou o que eu já fiz. Tenho que me esforçar agora, para que o agora valha a pena de se viver. Não tenho mais o tempo que passou, mas ainda tenho muito tempo, tenho todo o tempo do mundo para que a minha vida ainda aconteça. Porém, é sempre mais fácil falar do que fazer. Eu acredito mesmo que posso ter uma vida melhor? Ou é apenas tempo perdido?

     Todos os dias, antes de dormir, lembro e esqueço de como foi o dia, lembro e esqueço de quem sou, de quem já fui, do que fiz ou do que quis fazer. Preocupações, insônia, pensamentos incansáveis, respirações instáveis, e tudo acontece de novo e de novo. Essa noite, foi um exemplo desses acontecimentos.
     E não tenho nenhum apoio agora. As noites e madrugadas são sempre solitárias.

     Era o dia seguinte, mais uma manhã cinzenta em Nockfell. Uma cidade melancólica, gélida, e até amedrontadora para alguns. Vou a pé para o colégio, observando a paisagem escura e nublada. Estava claro que iria chover, e seria um temporal, sem dúvidas.
     E então, me deparei com a mesma vista que tenho em todo santo dia de aula, sempre a mesma maldita coisa que me chamava atenção: aqueles certos, específicos olhos castanhos.
     A tempestade que chega é da cor dos olhos castanhos dele. Devastando, inundando, levando tudo o que há pelo seu caminho. Sem dó, nem piedade. Porém, eu diria que é algo que perturba os confortados, mas que, ao mesmo tempo, conforta os perturbados. E eu, com toda a certeza que se há, sou um perturbado. Sim, é um olhar, uma presença que devasta, que inunda, mas que leva todas as preocupações que tenho.

     Mas algo estava errado dessa vez.

     Travis se manteve afastado hoje, e isso não era comum. Desde o dia em que conversamos no banheiro, fizemos as pazes, e ele sempre estava ao redor.
     No intervalo, o mesmo foi um dos primeiros a sair, sumindo de vista. Curioso, o procurei, e o encontrei em seu lugar habitual: A cabine abandonada do banheiro.

     — Travis? — O chamo, esperando por uma resposta. Ele destrancou a porta, deixando-me entrar.

     O vi, sentado no chão da cabine. De cabeça baixa, apoiada em seus joelhos; abraçava suas pernas, se escondendo. Estava com os braços machucados, com sangue seco preso em sua pele cor de amêndoa.

     — O que houve?! — Falei, preocupado.

     — Meu pai, ele bebeu demais ontem — Respondeu, com uma voz embargada, de quem chorou há pouco tempo e ainda não se recuperou.

     — Oh, Travis... — Fui tocá-lo, mas parei no meio do caminho, não sabendo se isso iria conforta-lo ou só aumentar seu desespero — Posso te abraçar? — Decidi pedir por seu consentimento.

     — Por favor — Soluçou, enquanto se reprimia e espremia seu corpo ainda mais.

     Lhe abracei fortemente.

     — Ele disse algo a você? — Perguntei, já que sabia que seu pai, além de maltrata-lo fisicamente, dizia coisas terríveis a ele, e que isso o machucava ainda mais do que todas as surras que levava.

     — Ele descobriu... — Se esquivou do meu questionamento, mudando de assunto.

     — Descobriu? — Falei, na intenção de que ele adicionasse mais alguma informação, já que não sabia do que se tratava tal coisa.

     — Que eu... Gosto de garotos — Chorou, agora ainda mais alto. Após uma longa pausa em sua fala, ele adiciona — E tenho medo de que ele esteja certo.

     — Sobre o quê? — Disse, com um pé atrás. Não sei no que Kenneth acredita ou no que fez Travis acreditar, mas se veio de Kenneth, já não me parece boa ideia.

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⏰ Última atualização: Oct 18 ⏰

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