Deja vu

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Miranda Priestly

Quando abri meus olhos naquela manhã, uma dor aguda atravessou meu corpo, e senti um peso familiar, mas profundamente incômodo sobre mim. Acordar com uma sensação dessas não era comum para mim; meu corpo estava acostumado à precisão e ao controle, não a essa vulnerabilidade desconfortável.

Me movi com cuidado, tentando entender o que acontecia, até me deparar com Andrea, minha segunda assistente, completamente adormecida, abraçada ao meu corpo como se fosse um náufrago que se agarra a um pedaço de madeira em alto-mar. O calor do seu corpo contra o meu, o ritmo de sua respiração tranquila, tudo isso parecia um grito silencioso de posse. Não era um abraço afetuoso, era uma reivindicação, e isso me irritava mais do que eu gostaria de admitir.

Com um suspiro resignado, afastei-me com delicadeza, o suficiente para não acordá-la, mas também rápido o bastante para me desvencilhar daquele contato claustrofóbico. Caminhei até a sala, meus passos leves e controlados, o peso da noite anterior ainda pressionando meus ombros. Recolhi minhas roupas, vestígios de uma decisão insana, e segui para o banheiro, onde o choque da água fria talvez pudesse me trazer de volta à realidade.

— Mas que inferno! — O sussurro escapou dos meus lábios com uma mistura de incredulidade e raiva, enquanto meu reflexo me encarava de volta.

O espelho, cruel em sua honestidade, revelava a extensão do desastre: meu corpo estava coberto de marcas, como um campo de batalha recente. Mordidas, chupões, e arranhões adornavam minha pele, especialmente ao redor da cintura e quadris, em uma visão que, se não fosse tão perturbadora, poderia até parecer cômica. Eu não precisei me virar para saber que minhas costas também estavam marcadas pela fúria de Andrea.

Fechei os olhos por um momento, tentando reunir os fragmentos de lógica que me restavam. Onde diabos eu estava com a cabeça? Eu não estava tão bêbada, não o suficiente para justificar essa falta de controle. Eu sou uma mulher de 43 anos, pelo amor de Deus, onde existe um mundo em que eu vou para cama com minha assistente que tem metade da minha idade?

Soltei um resmungo irritado enquanto me vestia, ajustando aquelas mesmas roupas amarrotadas da noite anterior como se fossem um lembrete cruel do meu descuido. Tudo o que eu queria era sair dali o mais rápido possível, desaparecer sem deixar rastros. Andrea ainda estava apagada no quarto, provavelmente o álcool havia vencido sua resistência, e eu pretendia aproveitar essa oportunidade para sair sem maiores confrontos.

Quando abri aquela porta de madeira desgastada, um som inesperado me fez parar.

— Oh? — A voz veio acompanhada de uma figura baixa, com cabelos castanhos ondulados caindo em ondas suaves e olhos cor de amêndoa, que me observavam com uma mistura de curiosidade e serenidade. Ela estava claramente prestes a girar a maçaneta antes que eu a surpreendesse.

Ignorei a jovem, caminhando em direção ao elevador, rezando para que a minha fuga fosse silenciosa e rápida. Mas, para meu desgosto, ela me seguiu, seus passos ecoando ao lado dos meus até parar junto a mim.

— Você dormiu aqui? — A pergunta veio sem qualquer sombra de acusação ou raiva, apenas uma curiosidade despretensiosa que me pegou de surpresa.

— Não, invadi o apartamento de um estranho pela manhã porque pensei que seria divertido. — Rolo os olhos, sentindo o sarcasmo escorrer pela minha voz, talvez com uma acidez maior do que o usual.

Mas, ao invés de ofensa, tudo o que recebo é uma risada leve e descontraída, o som ressoando como algo familiarmente irritante, lembrando-me de meu marido imprestável, que provavelmente iria encher minha paciência caso tivesse notado que passei a noite fora.

Not a Fairy TaleOnde histórias criam vida. Descubra agora