• Solitude ou Solidão •
"Sentir solidão não é estar só, é estar vazio", Sêneca.
Havia se passado cinco dias desde sua última conversa com um ser de carne e osso. Mergulhado ao trabalho, Annalise já havia adiantado todos os seus projetos e todas as suas garrafas de vinho estavam vazias — incluindo às do seu depósito particular. Apesar disso, ela estava bem, em paz. Só conseguia ouvir o silêncio.
Até certo ponto, era maravilhoso ter sua privacidade completa novamente. Era incrível não precisar brigar por uma toalha em cima da cama, ou uma peça de roupa íntima no meio do seu banheiro, ou com novos pratos sujos dentro da pia limpinha que ela havia acabado de lavar, ou... Tudo bem, ela precisava admitir: havia esquecido como era não ter um corpo quente sobre ela a abraçando, ou lábios macios a beijando, ou um peito para apoiar sua cabeça antes de dormir.
Entretanto, existia muito tempo que Annalise não experimentava nenhuma dessas coisas. Enquanto seu casamento esfriava mais do que um rio no meio do Alasca, ela se acostumou a não ter mais nenhum tipo de contato com Juan, nem mesmo notava sua presença dentro de sua própria casa. Às vezes, trocavam palavras necessárias, para o outro comprar algo no mercado, por exemplo, mas não passava disso.
Porém, desde que Juan realmente se foi, após o ver sair com suas malas naquela mesma noite, depois de retirar todos os quadros com fotos do casal que estavam penduradas nas paredes do apartamento e recolher o resto das roupas masculinas que sobraram no closet, até mesmo a escova de dentes ao lado da sua fazia uma diferença enorme na sua rotina. Então, Annalise se perguntava: indiferença era de fato o que sentia em relação ao seu término?
Então, Annalise percebeu. Apesar de tudo aquilo sobre seu relacionamento, Juan ainda estava ali ao seu lado, ainda comiam juntos a mesa durante o jantar, ainda assistiam alguma série na televisão, ainda compartilhavam o mesmo gosto por sorvete de abacaxi com coco. Ainda estavam juntos, mesmo que tão distantes, ele ainda estava ao seu lado. E agora tudo parecia tão real, tudo estava perdido. Seu relacionamento havia acabado.
Em um momento de introspecção, se assustou ao ouvir seu celular tocar em cima da mesa de vidro, ao lado do seu notebook. O nome "Becca" aparecia na tela. Logo, passou os dedos sobre a tela luminosa, atendendo.
— Alô?
Após os cinco dias que se passaram, era a primeira vez que Annalise ouvia sua própria voz, que estava baixa e embargada devido a quantidade de vinho.
— Oi, Annie... Como você está? — perguntou com a preocupação derretendo em sua voz.
— Estou bem... — é claro que nenhuma das duas acreditava. Porém, Rebecca não tinha noção nenhuma do que havia acontecido.
— Te deixei algumas mensagens, mas como você não me respondeu, resolvi te ligar. — disse.
— Eu estava lotada de trabalho esses dias, quase não encostei no celular, me desculpa. Mas pode me dizer agora, estou livre nesse momento.
— Queria saber se você gostaria de tomar um café essa tarde? Estou passando pela sua rua nesse momento... — perguntou apreensiva, sabia que havia algo de errado.
Annalise pensou seriamente se aceitaria ou não. Não estava com a mínima vontade de sair de casa, principalmente no estado em que estava. Seu cabelo estava horrendo, havia olheiras extremamente escuras abaixo de seus olhos e, ainda por cima, estava alcoolizada.
— Eu preciso trocar de roupas primeiro, você pode subir se quiser... — respondeu, ainda pensando seriamente se aceitaria ou não sair no seu estado.
— Claro... Já estou chegando!
A ligação é encerrada, logo, Annalise vai em direção a entrada de sua casa, ligando para portaria de seu prédio em seguida e avisando ao porteiro daquele horário para permitir a entrada de sua amiga. Após isso, tenta retirar a maior parte de garrafas vazias de vinho que consegue para ir tomar ao menos um banho, antes que Rebecca chegasse e a visse naquela situação deplorável.
Não havia contado para ninguém a decisão do divórcio, pois, nem para a própria Annalise aquilo era algo real, mas de fato era. Portanto, não esperou mais e correu para o banheiro. Precisava de, no mínimo, roupas decentes para atender Rebecca.
Poucos minutos depois, enquanto vestia a última peça de roupas, a sua campainha tocou. Annie seguiu até a porta de entrada, abrindo-a e revelando Rebecca com uma sacola de mercado em mãos e um pequeno sorriso no rosto.
Annalise olhou no fundo dos olhos da garota e não conseguiu controlar a vontade de externar tudo o que sentia em seu peito e logo lágrimas brotaram de seus olhos. Não demorou muito para Rebecca soltar a sacola no chão e ir de encontro a amiga, abracando-a.
Nas horas seguintes Annalise contou tudo o que tinha para contar. Tudo o que martelava em sua cabeça com tanta força que a fez sentir enxaquecas e insônias todos esses dias. Apesar dos esporros de Rebecca por não ter contado a verdade desde o primeiro dia, sua amiga a compreendeu. Tudo estava tão recente, tão confuso e problemático.
— Eu sinto que estou resolvendo um problema matemático que não tem solução. — Annie diz, deitando sua cabeça no encosto do divã, enquanto olhava para o teto. — Eu não sinto falta dele ou algo assim, esse relacionamento já havia acabado faz muito tempo, mas não sei o que fazer sem ele aqui.
— Talvez você não sinta falta dele como pessoa. Talvez só sinta falta do que ele te proporcionava. — aquelas palavras rasgaram a alma de Annie, porque era tão verdade que ela não tinha nem coragem para negar.
— Não posso dizer que é mentira. De fato, sinto falta de ter alguém ao meu lado. — voltou seus olhos para o pote de sorvete que Rebecca trouxe, logo pegando uma colher cheia.
— Vocês passaram seis anos juntos, Annie! — afirmou. — Isso não vai ser fácil, mas vou te ajudar a se recuperar. — Rebecca a encarou, segurando uma de suas mãos.
— Obrigada, Becca... Eu estava pensando em tirar um tempo de descanso. — disse, decidindo algo que estava em seus pensamentos a algum tempo. — Quero muito visitar minha avó na minha antiga cidade, só nos falamos por e-mail a mais de dois anos.
— É uma ótima ideia! — exclamou. — Eu vou entrar de férias na próxima semana, por isso que tudo estava tão agitado. Meu chefe está um saco!
A partir dessa frase, as duas amigas decidiram mudar a conversa anterior para planejar uma viagem de oito dias para a cidade natal de Annalise com o propósito de visitar a avó de Annie e esquecerem um pouco seus problemas pessoais e de trabalho. Assim, após decidir tudo da viagem, as duas passaram algumas horas vidradas em uma série na televisão até que a noite caísse.
Rebecca se despediu, deixando para trás uma Annalise mais aliviada e animada. O sentimento de solidão já não pairava mais no ar, mas seu corpo ainda sentia que faltava algo, porém, agora Annie conseguia lidar com ele. Nesse momento ela se perguntava: qual seria a diferença entre a solidão e a Solitude?
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Vinho É Bom Com Vinho
RomansaAnnalise é uma editora de trinta anos que está em um casamento falido... bom, estava, até seu marido pedir o divórcio no aniversário de casamento deles. Após isso, Annalise vai atrás da sua avó para buscar acolhimento. Entretanto, a mulher de mais i...