26 | Conectados

391 32 0
                                    

Lara Albuquerque

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Lara Albuquerque

O silêncio na sala é quase insuportável. Eu olho para qualquer lugar, menos para Richard. O ar está carregado de um desconforto palpável, como se ambos estivéssemos presos em uma situação que não conseguimos evitar. A última vez que estivemos assim tão próximos, as coisas não terminaram bem.

Richard parece tão desconfortável quanto eu, mas é ele quem decide quebrar o silêncio.

- Lara... Desde o primeiro momento em que te conheci, algo em você me desestabilizou. Talvez tenha sido o jeito como você sempre me enfrentava, como nunca deixava nada passar despercebido. Você me irritava de um jeito que ninguém mais conseguia...

Eu percebo um leve sorriso no rosto dele, mas é breve, logo substituído por uma seriedade que prende minha atenção.

- E, por um tempo, eu achei que odiava isso, essa maneira que você tinha de mexer comigo. Mas, no fundo, acho que só gostava de ver você me enfrentando, de te ver irritada comigo. Era... quase divertido, mas eu não conseguia admitir isso. Então, veio aquela lesão... - Ele faz uma pausa, seus olhos presos nos meus, como se pesasse cada palavra. - E a convivência... Estar ao seu lado, te ver todos os dias, me fez perceber que eu não estava irritado. Eu estava apaixonado.

Meu coração acelera com suas palavras, mas ele continua, como se precisasse despejar tudo de uma vez.

- E então, a gente se beijou, e eu não consegui parar de pensar em você depois disso. Mas quando descobri que o Piquerez gostava de você... Eu simplesmente não podia fazer isso com ele. Decidi me afastar, mesmo que cada parte de mim quisesse o contrário. Acabei dizendo coisas que nunca deveria ter dito, e me arrependi no mesmo segundo.

Ele encosta suas mãos nas minhas.

- Eu me odiei por ter te machucado... Eu só queria...

Antes que ele termine, um impulso toma conta de mim. Sem pensar, me aproximo e, em um movimento suave, pressiono meus lábios contra os dele. É como se todo o silêncio, toda a tensão, evaporasse naquele momento. O beijo é urgente e carregado de tudo o que ficou não dito entre nós.

Sinto o calor de seu corpo contra o meu, suas mãos hesitantes no início, mas logo ele me puxa para mais perto, como se estivesse esperando por isso desde sempre. A conexão é intensa, quase avassaladora, mas ao mesmo tempo, há algo de familiar. Como se estivéssemos voltando para um lugar que ambos ansiavam há tempo.

Quando nos afastamos, os olhos de Richard estão fixos nos meus, surpresos, mas também cheios de uma intensidade que faz meu coração disparar.

- Eu também estou apaixonada por você. - Confesso, a voz suave, mas firme.

______________

Estamos no sofá, a pizza praticamente esquecida sobre a mesa. O ambiente está confortável, e pela primeira vez em muito tempo, sinto que estamos realmente nos conhecendo.

- Então, você sempre quis ser fisioterapeuta? - Richard pergunta, quebrando o silêncio com uma curiosidade genuína na voz.

Faço uma pausa, refletindo. Não costumo falar sobre isso, mas com ele parece certo.

- Quando eu era mais nova, minhas amigas queriam ser advogadas, médicas, mas eu... só sabia que queria ajudar as pessoas de alguma forma, mas não tinha ideia de como.

Richard se inclina levemente, seu olhar fixo em mim, atento. Isso me encoraja a continuar.

- Meu pai jogava futebol amador. Ele amava o esporte, mas nunca conseguiu seguir carreira profissional. Um dia, ele se machucou gravemente em um jogo. Foi uma lesão feia no joelho. Ele quase perdeu a mobilidade da perna. Lembro de ver o quanto ele estava devastado com a ideia de nunca mais poder jogar, mesmo que fosse apenas em campeonatos locais.

Faço uma pausa, e a memória ainda mexe comigo de uma forma especial.

- Ele começou a fazer fisioterapia, e eu ia com ele nas sessões. - digo, sorrindo ao me lembrar. - O fisioterapeuta que o tratou era incrível. Ele não só ajudou meu pai a se recuperar fisicamente, mas também o motivou emocionalmente. Lembro de ver meu pai sair das sessões com um novo brilho nos olhos. Foi aí que percebi o impacto que a fisioterapia pode ter na vida de alguém. Não era apenas sobre o corpo, mas também sobre a mente, sobre restaurar a esperança das pessoas.

Richard parece absorver cada palavra, e seu sorriso suave me faz sentir segura em compartilhar essas partes de mim.

- Desde então, decidi que queria seguir esse caminho. Queria ser a pessoa que ajudasse alguém a voltar a fazer o que ama, a recuperar não só os movimentos, mas a confiança. Eu me dediquei de corpo e alma aos estudos, porque sabia que era o que eu queria fazer da vida.

Richard me observa em silêncio por um momento, e então vejo um brilho suave em seus olhos.

- Você tem um jeito de ver as coisas que sempre me surpreende. - ele diz, com um tom mais introspectivo. - Acho que é uma das coisas que me fez... - Ele faz uma pausa, como se estivesse escolhendo as palavras. - Que me fez te admirar tanto, mesmo que eu tentasse disfarçar isso no início.

Sorrio com isso, me sentindo um pouco mais conectada a ele. Sinto que estamos começando a entender mais um do outro.

- E você? Sempre foi o futebol? - pergunto, querendo saber mais sobre ele também.

Richard se inclina para trás no sofá, como se estivesse mergulhando nas memórias.

- Desde pequeno, sim. Como eu já disse uma vez eu cresci em Medellín, em uma família que não tinha muito além de amor e futebol. Era o que mantinha tudo funcionando. A gente jogava em qualquer lugar que desse, e foi ali que descobri que era o que eu queria fazer. O futebol era a única coisa que fazia o mundo parecer menos complicado.

Ele faz uma pausa, e sinto que há mais do que ele está dizendo.

- Eu me joguei de cabeça nisso. - ele continua. - Mas, às vezes, eu sinto que... não sei. Talvez tenha sacrificado algumas coisas pelo caminho. - Ele dá um sorriso, mas é um sorriso meio melancólico. - Mas acho que faz parte, não é? Você foca tanto em uma coisa que acaba deixando outras de lado.

Sinto a dor nas palavras dele, a luta entre a paixão pelo futebol e o que ele pode ter perdido pelo caminho. Estendo a mão e toco suavemente o braço dele.

- Talvez. Mas acho que tudo que você sacrificou te trouxe até aqui. - digo, com sinceridade. - E, de alguma forma, isso faz parte da nossa jornada, não é?

Richard olha para mim, e por um momento, o mundo ao nosso redor parece parar. Ele não diz nada, mas seus olhos dizem muito. Há uma conexão ali, algo que cresce cada vez mais forte.

O silêncio que se segue não é desconfortável. Pelo contrário, é carregado de um entendimento mútuo. Estamos apenas dois passos além da superfície, descobrindo pedaços um do outro que nunca mostramos a ninguém.

Ele sorri, um sorriso mais leve agora.

- Você tem razão. - ele admite suavemente. - E sabe... estou feliz que tenha te conhecido. Por mais que a gente tenha começado com aquela... rivalidade, eu acho que, no fundo, só gostava de te ver irritada.

Solto uma risada leve.

- Ah, eu percebi. - respondo. - Mas você não era o único que se divertia com isso.

Nos entreolhamos, e então, sem perceber, nossas mãos se encontram no sofá. Há uma familiaridade que parece tão natural, como se estivéssemos redescobrindo algo que sempre esteve ali.

E então, sem pensar muito, me inclino e o beijo. O mundo ao nosso redor desaparece, e tudo que existe é o calor do toque dele e a certeza de que, de alguma forma, estamos exatamente onde deveríamos estar.

Coração em Jogo - Richard RíosOnde histórias criam vida. Descubra agora