Adrenalina

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O que exatamente eu estava fazendo ali?

De quem foi essa ideia estúpida?

Uma bola de metal em que eu serei lançada como um estilingue humano? Sério?! Aonde eu estava com a cabeça quando aceitei isso?

Eu não tinha bebido... Não tinha sofrido uma desilusão e não estava com um desejo de morte. Porque eu ia querer aumentar meus níveis de adrenalina daquele jeito?

- Eu conheço essa cara... Você está pensando demais... – meu namorado disse sorrindo, enquanto afivelava os cintos de proteção ao meu lado.

Estávamos sentados lado a lado em dois bancos de metais fundidos há uma esfera vazada feita de hastes de metais e grades. Sobre nossos ombros desceram uma trava grossa de segurança em formato de U e afivelaram cintos na nossa cintura e nas nossas pernas.

- E estou no meu direito! – eu respondi. – Você viu o que estava no termo que assinamos?

- Não lembro direito... – ele deu de ombros. – Não iam liberar essa atração no parque se não fosse seguro.

- Iriam se nós os isentássemos de toda a responsabilidade caso algo desse errado. E FOI EXATAMENTE O QUE ASSINAMOS NAQUELE TERMO.

- Relaxa. Estamos na praia, comemorando dois anos de namoro e muito bem presos à uma esfera de metal que irá nos lançar aos céus. Adrenalina é a melhor forma de finalizar um encontro.

- Só se você ficar vivo para sentir a adrenalina.

Ele riu, despreocupado, e eu olhei para o horizonte. Estávamos na orla da praia e eu via o mar à nossa frente, calmo e azul. Não pude deixar de imaginar que ele estava esperando para nos engolir.

E então, tudo aconteceu muito rápido.

O técnico responsável pelo estilingue de metal conferiu nossos cintos, testou as barras, sorriu e disse:

- Tchau!

No milésimo de segundo seguinte eu estava vendo céu, mar e população misturados em um looping constante enquanto uma pressão gigantesca me prensava contra a minha cadeira e me impedia de gritar.

Meu coração batia muito forte contra o meu peito, minha pele estava gelada pela corrente de ar que meu corpo sentia ao ser lançado na atmosfera e meus olhos não conseguiam focar em um único ponto, pois tudo estava em movimento.

Mas quando senti meu corpo inteiro ensopado e gelado, seguido por uma escuridão repentina e azulada, eu me toquei que algo havia dado errado.

Eu estava afundando no mar, presa a uma bola de metal, e muito consciente de que não poderia gritar. De alguma forma, o estilingue arrebentou e nos lançou para longe.

Olhei para o lado e vi meu namorando lutando para abrir a trava de metal. Ele já havia soltado o cinto do quadril e agora escorregava a cabeça para baixo. Pequenas bolhas de ar saiam de suas narinas em profusão.

Isso me fez agira também. Já estava muito escuro, nos afastávamos da superfície com rapidez e eu comecei a tatear minha cintura para achar a fivela do cinto que me prendia. Assim que apertei o botão da fivela, a faixa de couro se dividiu em dois, mas meus ombros ainda estavam presos.

Eu senti algo agarrar meus pés, mas meu cabelo flutuava à minha frente, tapando qualquer visão com uma nuvem escura amorfa. Fui puxada para baixo e deslizei da cadeira rumo ao fundo. Mas, em seguida, meu corpo foi içado. Meu cabelo foi jogado para trás com o movimento e eu pude ver a luz da superfície se aproximando. Eu estava sendo puxada para a direção oposta do fundo. Sairia da água a qualquer momento..

Assim que minha cabeça ultrapassou a barreira entre a água e o ar, meus pulmões gritaram de dor e eu fui invadida por uma brisa fresca. Foi só então que me dei ao luxo de gritar.

- Você está bem? – uma voz me chamou.

Eu abri os olhos. Tudo estava diferente. Eu não estava mais molhada, meus pulmões não doíam e eu não sentia frio. Na minha frente estava o técnico da empresa do estilingue humano, me encarando. Eu estava sentada na esfera de metal e ele estava finalizando a inspeção das travas. Eu não havia sido lançada, afinal. Mas pareceu tão real!

- Você está bem? – o técnico repetiu. – Ficou muito branca de repente. Melhor medimos a sua pressão.

- Não! Não! Me tira daqui. Não quero mais! – eu comecei a desafivelar o cinto e afastar o técnico.

- Calma! Vai ficar tudo bem. O que deu em você? – meu namorado tentou me segurar, mas eu o afastei e levantei a trava.

- Vamos embora! Vem comigo, por favor. Não quero mais ir. – eu choraminguei indo tirar o cinto dele.

- Ei! Não! Pera! – ele segurou minha mão. – Pagamos uma grana para fazer isso. Não tem reembolso!

- Eu não me importo. Eu não quero mais ir, vamos embora. – eu supliquei.

- Para com isso! – ele disse impaciente. – Todo mundo da fila está olhando.

- Hum... – o técnico pigarreou e disse com educação. – Precisamos resolver isso de alguma maneira. As pessoas estão esperando.

- Eu não quero mais ir. – eu repeti.

- Mas eu quero! – meu namorado fechou a cara. – Vou sozinho se for o caso.

- Não posso deixar o senhor ir sozinho. – O técnico disse. – O peso ficaria desbalanceado e é perigoso.

- E como vocês fazem quando alguém está desacompanhado?

- Vemos se há mais alguém desacompanhado na fila para formar o par.

- Então faça isso! – meu namorado me olhou irritado.

- Por favor... – eu implorei de novo. – Não faz isso. Vamos embora.

Ele fechou a cara e não respondeu.

O técnico olhou para mim e depois para o meu namorado. Ele parecia entender meu medo, mas estava ficando impaciente. Por isso, voltou-se para a fila e perguntou quem estava sozinho. Três pessoas levantaram a mão e ele escolhei a mulher que estava mais adiante na fila.

Ela passou pela grade que segurava a fila e sentou-se empolgada no meu lugar. Por um momento ela me olhou constrangida, mas logo começou a prestar atenção no que o outro técnico fazia, ao prendê-la na cadeira de metal.

Meu namorado se recusava a olhar para mim e o primeiro técnico pediu que eu me afastasse e esperasse na lateral, junto à cabine de controle.

Eu fui, sentindo cada passo pesar uma tonelada. Encostei na parede e olhei para as duas pessoas na bola de metal. O coração gelado e o peito apertado. E se desse algo errado? E se acontecesse aquilo? E se...

- Tchau! – o técnico disse e a bola foi lançada para o ar.

Eu contei os segundos, e foram dois segundos que duraram uma eternidade enquanto meu coração parava de bater ao ver o elástico que prendia a esfera arrebentar e lançar meu namorado e uma estranha em direção ao mar.

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