- Você não vai fazer aquilo hoje, vai? – minha irmã perguntou temerosa.
Ela estava elegante, com um vestido longo amarelo em corte evasê e decote princesa. O cabelo estava preso em um coque elaborado no alto da cabeça e pequenas mechas se desprendiam na lateral.
- Não em grande escala. – eu respondi com sinceridade, colocando o sapato.
O rosto dela se contorceu em angústia.
- Ahh! Por favor. É minha formatura. Não pode não ser você, só por uma noite?
- Não é assim que funciona. Sabe que não consigo controlar quando são coisas pequenas. Não posso simplesmente parar de pensar. É automático.
- Talvez seja melhor você ficar em casa... – ela começou a falar, mas minha mãe apareceu na sala.
- Não seja boba. É sua formatura e é lógico que sua irmã vai estar lá. Vamos! Seu pai já está esperando no carro.
Eu não disse mais nada e observei minha irmã entrar no carro, inconformada. Eu não podia culpá-la. Não devia ser fácil conviver comigo. Não com a minha condição.
Fomos para a festa em silêncio. Foi uma viagem de 20 minutos de carro até o salão de festas alugado pela faculdade da minha irmã. Assim que chegamos, fui para uma mesa nos fundos e me sentei. O quanto menos eu interagisse, melhor seria para ela. Meu pai também gostou da mesa, longe da muvuca. Minha irmã foi encontrar os amigos no centro da pista de dança.
Tudo correu bem por quase quarenta minutos até um garçom se aproximar da nossa mesa. Senti meu pai ficando tenso e minha mãe se mexer na cadeira. Em um instante ele estava carregando uma bandeja cheia de copos de plástico, oferecendo bebidas, no outro ele estava pedindo desculpas para um grupo de garotos ensopados pelos copos que caíram da bandeja, e eu sentia como se estivesse tendo um déjà vu.
- Você fez de novo... – meu pai disse calmamente.
- Fiz? – eu me senti culpada.
- Ele não ia derrubar as bebidas... – meu pai disse e depois completou condescendente – Você imaginou o que aconteceria caso derrubasse, não foi?
- Eu... Foi sem querer... Mais como um reflexo. Me preocupei que podia acontecer isso...
- Você teve um déjà vu?
Eu assenti, sem graça... Meu pai suspirou e minha mãe me olhou com pena.
- Tudo bem... Não houve grande dano. Ninguém se machucou e os garotos não pareceram se importar muito.
- Talvez seja melhor eu não ficar por aqui... Sempre terá algum garçom por perto.
- Não sei se é uma boa você ficar andando por aí. Você tem uma imaginação fértil... – minha mãe disse, claramente arrependida de ter insistido que eu viesse.
- Vou ao banheiro. – eu disse e levantei antes que me impedissem.
Andei rapidamente para longe da multidão, olhando para o chão. Esbarrei em algumas pessoas, pedi desculpa e continuei andando até chegar nas portas que levavam aos sanitários. Foi aí que eu percebi que fiz uma escolha muito errada. Havia uma longa fila para o banheiro.
Eu automaticamente pensei: "Imagina se um cano de água estoura." No segundo seguinte eu senti a sensação de déjà vu e uma série de garotas saíram correndo do banheiro com parte dos vestidos molhados. A sensação de culpa me atingiu quase instantaneamente e eu comecei a entrar em pânico.
Olhei ao redor procurando uma saída, tentando não pensar nas consequências, e evitando novos déjà vu, e vi uma porta lateral, nos fundos do salão. Corri até ela e a atravessei. Senti uma brisa fresca e um cheiro de umidade e me vi em uma sacada, de frente para um jardim iluminado com pequenos postes de luz em estilo vitoriano. Era amplo e espaçoso, com arbustos simetricamente ajustados por um jardineiro habilidoso e delimitando um grande pátio de pedra rústica. Estava vazio, talvez não fizesse parte do pacote do evento. Eu fechei a porta e encostei nela, respirando aliviada. Talvez agora eu pudesse relaxar.

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Contos peculiares
Historia CortaVocê já sentiu que alguma característica sua fosse peculiar demais para contar a alguém? E se alguém pensou o mesmo que você mas resolveu transformar suas peculiaridades em pequenas histórias? Essa coletânea de micro contos reúne uma série de histór...