Primeira impressão

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- Eu jurava que você era um chato! – a menina me disse no meio de uma risada semi histérica enquanto pegava um bolinho. – Ou um psicopata!

Eu olhei para ela com um pouco de desdém, mas tentei disfarçar. Eu não costumava andar com patricinhas de saias curtas e cabelo platinado, mas era uma festa do trabalho e eu fui obrigado a socializar.

- São duas primeiras impressões bem diferentes, não acha? – eu respondi sem muita emoção. – Qual você achou primeiro?

Ela ficou estática por um tempo. Não acho que estava acostumada com pessoas sendo sincera com ela. Depois de mais um risinho semi histérico, ela respondeu:

- Psicopata. Lógico!

- E o chato veio depois, porquê?

- Bom... Você sempre chega na hora, fala o português correto, não faz fofoca e não reclama da chefia como o resto das pessoas. É muito caxias.

- Ser profissional mudou de nome agora?

- Tá vendo? Já ficou ofendido. Típico de pessoa chata. – ela riu alto.

Eu olhei em volta e algumas pessoas olharam para ela e depois a ignoraram. Olhei o relógio canto superior da sala. Mais vinte minutos seriam suficientes?

- Você não quer saber porque minha primeira impressão era a de que você era um psicopata? – ela perguntou distraída enquanto agarrava uma taça de espumante da bandeja do garçom que passava por nós.

- Não acho que essa taça esteja limpa... Já está na metade. – eu a avisei.

- Não podemos desperdiçar, não é mesmo? – ela deu de ombros.

Eu fiquei quieto e isso pareceu ser um incômodo maior do que ela podia aceitar.

- Não quer saber? – ela insistiu, fazendo beicinho.

Eu suspirei e me forcei a dizer:

- Por que não? O que te fez pensar que eu era um psicopata?

Ela deu uma risadinha irritante antes de responder.

- Que tipo de pessoa se isola no canto da sala na hora do almoço com uma caneta e um bloco na mão e não revela nada da própria vida?

- O tipo de pessoa discreta que aspira ser um escritor. – eu respondi seco.

Ela ficou desconcertada.

- Oh. Você quer ser escritor? Nunca conheci alguém que quisesse fazer isso. O que está fazendo em um escritório de advocacia?

- Pagando os meus boletos e aprendendo sobre leis.

Ela ficou sem graça. Foi a primeira vez que ela pareceu pensar em algo que de fato fizesse sentido. Por alguns minutos ela saiu do próprio mundo imaginário e, levemente embriagado, onde as pessoas estavam permanentemente presas no Ensino Médio. Ao menos essa era a primeira impressão que ela me deu e não retirou até o momento.

- Ah, minha assistente preferida. – um dos advogados sênior apareceu com um copo de Black Label 12 anos com gelo e se esforçou para me ignorar. – Melhor isso do que ficar arquivando processo, não é mesmo?

Ele abriu um sorriso e eu percebi que aquele não era o primeiro copo dele. Não que isso fizesse diferença. Ele costumava assediar as mulheres do departamento estando embriagado ou sóbrio.

Entre minha colega platinada e o meu chefe embriagado, percebi, de repente, que preferia a primeira opção.

- Ah, realmente. Prefiro muito mais um coquetel de camarão do que o triturador de papel. – minha companheira platinada deu um risinho nervoso. 

Ela não parecia gostar do nosso chefe também. Não a culpava. Ele a olhava como se ela fosse um frango de padaria. Quase salivava.

- Não diga que já estamos destruindo provas? – ele riu se jogando um pouco para cima dela.

- Não! Claro que não! – ela deu um passo para trás, mas já estávamos bem perto da parede, então ia ser difícil conseguir fugir.

Eu suspirei de novo. Sabia no que isso ia dar e era justamente o que eu gostaria de evitar quando sugeri não ir na festa. Agora eu teria que ser eu de fato.

O garçom voltou, dessa vez com taça novas e cheias, e eu estiquei a mão para pegá-las. Mas fiz isso um tantinho a mais para a esquerda, o que causou um leve desequilíbrio entre as taças e uma delas caiu na blusa de minha companheira platinada.

Foi uma pequena comoção. O advogado sênior tentou secar a blusa, o que lhe deu livre acesso aos peitos da vítima, ela o empurrou em um movimento automático e instintivo, e ele tropeçou, derrubando o whisky na própria calça. Eu o amparei, evitando que ele atingisse o outro advogado que passava atrás de nós. Ser mais alto que ele me ajudou a mantê-lo ereto. Nesse momento, metade dos presentes na sala olhavam a cena com clara desaprovação ao nosso advogado embriagado.

Eu entreguei um guardanapo de pano para minha companheira platinada e comecei a empurrar nosso chefe embriagado para longe, a fim de ele limpar a calça encharcada.

- Oh... É um Calvin Clein... – Ele resmungou, e eu pensei que de fato foi um desperdício de whisky e tecido só por causa de uma tentativa patética de atingir seios alheios.

Ele agarrou um guardanapo em um dos balcões e desviou para uma porta que levava ao corredor lateral do prédio. Eu o acompanhei.

Uma rajada de ar gelado entrou pelas janelas que estavam com os vidros abertos, mostrando o perfil da cidade vista do décimo andar.

- Sinto muito. – eu disse bastante insincero.

- Devia mesmo. Olha a bagunça... – ele lamuriou.

Chegava a ser engraçado ver um homem daquela idade tentando me dar uma bronca, mas parecendo uma criança chorona.

- O álcool pode ser culpado por muitas coisas... – eu disse.

- Como é? – ele me olhou confuso.

- O álcool pode ser culpado por muitas coisas... – eu repeti. – Comportamentos inadequados, falas desnecessárias, tonturas momentâneas e até morte por desequilíbrio.

Ele me olhou confuso, até notar minha mão no seu peito. Estávamos bem próximos ao parapeito de uma das janelas. Eu sorri. Um empurrão e o corpo dele dobrou sobre o parapeito. Vi sua expressão confusa mudar para pânico antes de sumir. Eu calculava que ele chegaria ao chão em seis segundos. Não quis conferir. Eu sabia como seria.

Satisfeito com mais uma justiça feita nesse mundo, me virei para retornar discretamente ao salão e vi minha companheira platinada parada na porta, com os olhos arregalados.

Eu a encarei sem expressão e então dei de ombros.

- Sua primeira impressão estava correta. 

Ela ficou mais um tempo me observando até que sua expressão mudou. Um sorriso encantador surgiu nos lábios e seus olhos exalavam pura maldade. 

Aparentemente a minha primeira impressão dela estava incorreta.

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