Escrever esse capítulo foi dilacerante 😥
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Maria Eduarda
Ele chegou do fórum com aquele olhar de novo.
Olhos sedentos de sangue.
Aos seus olhos, eu não faço nada certo. Nunca.
Eu sou a garota inútil, preguiçosa, lesada que está sempre um passo atrás do que ele espera de mim.
— Eduarda, venha aqui imediatamente — papai me chama da sala.
Minhas mãos começam a tremer incontrolavelmente. Largo os cadernos. Cheguei do colégio e me tranquei no quarto para estudar. Tenho estudado até o início da madrugada. Tenho que passar no vestibular de uma universidade pública. Só assim ganharei minha liberdade e poderei sair desta casa. Escaparei do meu algoz. E levarei minha mãe junto.
— Eduarda, não me faça te chamar de novo.
Dou um salto da minha escrivaninha. Ele não está gritando. Papai não grita. Atrairia a atenção dos vizinhos. Ele usa uma voz modulada, soturna, que camufla suas tendências violentas.
Caminho de cabeça erguida até a sala de estar. Tento não demonstrar medo. Esse homem cruel se alimenta de covardia. Ele é um covarde.
— Sua mãe disse que você não a ajudou hoje com as tarefas domésticas. Por quê?
Olho para mamãe. Ela está de cabeça baixa, de pé, atrás do sofá onde meu pai está sentado.
Não fico com raiva dela. Não acho que tenha me dedurado. É que papai, como um juiz experiente, sabe fazer as perguntas certas e obter as informações que deseja. Além disso, ele é dezessete anos mais velho do que mamãe e usa isso a seu favor.
— Eu cheguei da escola e fui para o meu quarto estudar. O vestibular está perto. — Escondo minhas mãos nas costas. Não consigo fazê-las parar de tremer.
— Você poderia ter perdido meia hora do seu tempo de estudo para ter lavado a louça do almoço. Sua mãe não é sua escrava.
— Eu vou lavar a louça da janta. — Levanto o queixo, vencendo as garras do pânico.
— Baixe o tom dessa voz. Me respeite. Eu sou seu pai, não um dos seus amiguinhos. E a partir de amanhã, você vai acordar mais cedo e lavar a louça do café da manhã. Também lavará a louça do almoço e do jantar. Tirará pó dos móveis e passará minhas camisas.
— Mas não vai sobrar tempo para eu estudar! E a mamãe? Não vai fazer mais nada?
Caio de joelhos. Demoro alguns segundos para registrar que papai me deu um tapa na cara.
Arregalo os olhos, que enchem de lágrimas apesar da minha luta interna.
— Eu já mandei você me respeitar. E respeite sua mãe!
Mamãe observa tudo em silêncio; seus olhos dançam, amedrontados, entre mim e meu pai. Mas não me defende. Eu tenho que me defender. Aprendi isso ainda na infância, com sete, oito anos, quando tomei a primeira surra de papai.
— Quem está faltando com o respeito é o senhor! Comigo!
Seus globos oculares se transformam em duas bolas de fogo. Estou condenada. Caí em sua armadilha, peitando-o, como a garotinha idiota que ele acha que sou.
— Você pediu por isso, Eduarda. Você sempre pede para ser punida. E eu continuarei te punindo até te ensinar uma lição.
Papai tira o cinto da calça. Não adianta correr. A punição por ser a pessoa que ele mais odeia virá de uma forma ou de outra. Agora ou mais tarde. Sua necessidade de me machucar é maior do que minha capacidade de me esconder.
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Marcas do Passado [DEGUSTAÇÃO]
RomanceNa adolescência, Maria Eduarda tinha um amor platônico por Saulo, irmão mais velho de sua melhor amiga e nadador olímpico. Assistir ao desempenho do rapaz na piscina e receber seu tratamento gentil ajudavam Duda a esquecer, por alguns momentos, a vi...