Sonho

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Eu saí da casa de Jane com o corpo leve, quase flutuando. Era como se estivesse caminhando em um sonho, em um mundo onde o chão parecia feito de nuvens e as paredes eram feitas de névoas suaves. Cada passo era sem esforço, como se meus pés mal tocassem o chão. As cores ao meu redor pareciam mais vivas, mas ao mesmo tempo, embaçadas, como se uma camada de fantasia cobrisse a realidade.

O vento do final de tarde acariciava meu rosto, e eu respirava fundo, tentando capturar e guardar aquele ar fresco que agora parecia ter um toque mágico. O que tinha acabado de acontecer? Minhas mãos ainda estavam suadas, mas o frio na barriga tinha se transformado em uma onda de calor que me percorria inteiro. Eu tinha realizado um sonho. Um sonho que eu jamais teria coragem de contar a alguém, mas que agora, eu carregava dentro de mim como um tesouro secreto.

O caminho de volta para casa parecia mais curto, ou talvez eu estivesse tão absorto nas lembranças recentes que mal notei o tempo passar. Quando finalmente me vi diante da porta, não me lembro de ter aberto e fechado a porta, apenas de estar dentro do meu quarto, olhando o teto, revivendo cada momento com Jane. O cheiro do sabonete de alecrim ainda parecia impregnar o ar ao meu redor. Eu sorri, fechei os olhos e deixei o sono me levar.

No dia seguinte, acordei com o corpo ainda leve, mas a mente começava a questionar. As imagens da noite anterior voltavam em flashes rápidos e intensos. A lembrança dos olhos dela, do sorriso discreto, da maneira como ela me olhava... Aquele olhar fixo no espelho enquanto suas mãos exploravam seu corpo. Ela se aproximando de mim e me tocando... Seus lábios... Era real?

No entanto, foi no segundo dia que a leveza começou a dar lugar a um peso desconhecido. A euforia cedeu espaço para as dúvidas. Minha mente começou a ponderar cada detalhe, a questionar cada gesto, cada palavra. Será que Jane também estava pensando em mim? Será que aquilo significou algo para ela, ou eu fui apenas uma diversão? O que significava para mim?

À medida que os dias passavam, essa sensação só aumentava. Eu a via, mas ela não me via. Ou melhor, ela evitava me ver. Jane não me esperava mais para irmos a academia, não me lançava mais aquele sorriso discreto e provocador. Quando nos encontrávamos por acaso na rua, seu trajeto mudava, entrava rápido em casa, ou virava as costas e começava um assunto com alguém por perto. O silêncio dela começou a me corroer, a transformar a leveza que eu sentira em um fardo cada vez mais pesado.

Eu não sabia o que fazer. Parte de mim queria confrontá-la, exigir respostas. Outra parte, a parte mais insegura e medrosa, queria apenas voltar ao anonimato, àquela vida onde eu era apenas o garoto invisível que observava a vizinha à distância. Mas agora, depois de tudo, eu não era mais invisível para mim mesmo. E isso, de algum jeito, era o que mais me assustava.

Eu deveria me sentir realizado, certo? Finalmente havia experimentado o que tanto desejei, mas ao invés disso, sentia um vazio inexplicável. Será que ela se arrependia? Será que eu deveria me arrepender? Cada detalhe daquela tarde voltava à minha mente, e eu me perguntava o que aquilo significava para Jane. Será que eu era apenas mais um brinquedo para ela?

Nos dias que se seguiram, minhas tentativas de reencontrá-la se tornaram mais frequentes, quase desesperadas. Eu procurava por ela, como se tivesse se tornado uma necessidade vital, algo que eu não conseguia mais controlar. Mas Jane, com sua sagacidade habitual, parecia estar sempre um passo à frente, aparecendo e desaparecendo conforme desejava, deixando-me mais confuso e atraído a cada vez.

Os dias seguintes foram uma mistura de ansiedade e expectativa. Após duas semanas de silêncio nos encontramos na academia. Ela continuava sendo a vizinha encantadora, com seu sorriso misterioso e seu jeito sedutor. Mas agora, havia algo mais entre nós – uma tensão silenciosa, algo que só eu parecia perceber. Será que ela estava me testando? Ou talvez, eu estava apenas imaginando coisas?

E então, quando eu menos esperava, ela veio puxar conversa. Foi como se todo o meu mundo voltasse a girar em torno dela. Jane me olhou com seus olhos castanhos, tão penetrantes quanto da primeira vez, mas havia algo diferente agora. Algo que eu não conseguia decifrar, mas que me mantinha preso, incapaz de fugir.

— Oi... — ela disse, com um sorriso tímido, os olhos castanhos evitando os meus por um segundo antes de se fixarem. — Tem um tempo?

— Oi, Jane... claro, tenho sim — respondi, tentando manter a voz firme, mas a insegurança se revelava em cada palavra.

Ela sentou-se ao meu lado, mantendo uma distância cautelosa. Havia uma tensão entre nós, algo que nunca existira antes.

— Como você está? — ela perguntou, quebrando o silêncio. — Faz tempo que não conversamos... eu senti falta.

— Eu também senti falta... — admiti, sem conseguir esconder a verdade. — Muita falta, na verdade.

Ela respirou fundo, como se estivesse se preparando para algo difícil.

— Eu sei que o que aconteceu... bem, foi intenso. Mas... — Ela fez uma pausa, buscando as palavras certas. — Eu preciso que a gente esqueça o que aconteceu no quarto. Não foi certo, e... eu acho que a gente precisa voltar a ser o que éramos antes. Nossa amizade é importante para mim agora, mais do que nunca.

Eu absorvi suas palavras, sentindo um aperto no peito. Parte de mim queria contestar, pedir para não esquecer, para manter aquele momento especial. Mas outra parte, mais insegura, entendia. Sabia que nossa amizade sempre fora a base de tudo.

— Eu entendo, Jane... — murmurei, com um nó na garganta. — Também quero nossa amizade de volta. Foi... estranho, esses dias sem falar com você.

— Vamos colocar uma pedra nisso, então? — Ela estendeu a mão, como se selasse um pacto. — Podemos fazer isso?

Hesitei por um segundo, antes de pegar sua mão. O toque dela era familiar, reconfortante, mas carregava um novo peso.

— Podemos, sim... — respondi, tentando sorrir. — Vamos seguir em frente.

Ela apertou minha mão com firmeza, e por um momento, parecia que a velha Jane estava de volta. Mas havia algo diferente, uma sombra do que havia acontecido, que eu sabia que nunca mais desapareceria completamente.

Ela sorriu daquele jeito que só ela sabia, e por um breve instante, tudo pareceu voltar ao normal. Mas eu sabia que não estava.

Nada estava.

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⏰ Última atualização: Aug 30 ⏰

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