II - Digitais

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Encarar Inocêncio, depois de todos esses meses, despertou em mim o furacão de emoções que eu vinha tentando adormecer, eu que já estava me acostumando — ou assim tentando me enganar — com a ideia de não tê-lo mais em minha vida, com a ausência que ele havia deixado, com o vazio que dia a dia ia se tornando minha companhia, agora o tinha ali em minha frente como se uma estação não tivesse passado entre nós, como se o calor do verão não tivesse dado lugar às folhas caída do outono. Mãos geladas, corpo trêmulo, um coração batendo descompassado e uma voz que estava presa na garganta, essa era eu. 

"Aurora." — Aquela voz da qual eu tanto sentia saudade, o timbre rouco que durante nossos momentos de paixão me causava loucuras. "Senti tanto a sua falta." — Ousou dizer enquanto veio para me abraçar.

E eu? Eu, por impulso, me afastei e em seus olhos pude perceber a confusão. Mas o que ele esperava? Que eu o recebesse com beijos e abraços depois de tantos meses de silêncio? Eu poderia até estar apaixonada, rendida pelo o amor que eu sentia por aquele homem, mas nunca, jamais, me permitiria ser machucada por ele uma outra vez.

"O que você faz aqui, Inocêncio?" — Tentei manter a voz firme, não deixar a saudade falar mais alto do que a mágoa que batia em meu peito, não deixar a vontade de me jogar em seus braços ser maior do que o desejo em esbofeteá-lo. 

"Oxente, como assim o que faço aqui, Aurora?" — Perguntou enquanto coçava a nuca, uma mania que ele tinha sempre que se sentia perdido em uma situação. "Eu estou aqui porque você me fez duas propostas em Ilhéus, se lembra? Tu disse que me queria para os negócios e para uma vida toda e 'cá estou." 

Cínico, a palavra perfeita para descrevê-lo, mas ele não estava mentindo, realmente fiz essa proposta enquanto estávamos juntos na cama após nos amarmos por longas horas, mas dias depois me despedi de tudo aquilo e também das palavras que foram ditas naquela noite.

"Aurora..." — Ele tentava se aproximar, mas os meus passos sempre me guiavam para longe dele.

"Não, Inocêncio." — Minha voz já estava pesada pelo choro que eu segurava em minha garganta. "O que eu disse naquele dia não foi da boca pra fora." — Dessa vez eu encarava aqueles olhos que eu tanto amava, aqueles olhos que me causavam arrepios pelo o corpo quando me encaravam com desejo, paixão. "Eu não vou ser a sua segunda opção, eu me recuso a descer tão baixo até mesmo por você."

"Você não é e nunca fui uma segunda opção pra mim, Aurora." — Desistiu de tentar se aproximar quando percebeu que eu não ia permitir que ele me tocasse. Ri irônica de sua colocação, mas o deixei terminar. "Eu amei sim Maria Santa e para ser honesto contigo, eu sempre vou amá-la, Maria Santa foi muito importante em minha vida e durante todo o meu caminho até aqui, desde sua morte, eu vivi na esperança de que ela viria me buscar, não foram dias ou semanas, Aurora, foram anos, eu nunca amei outra pessoa como a amei, nem mesmo Mariana."

O incômodo que aquele nome causou em mim não passou despercebido por ele. Eu entendia sobre Maria Santa, jamais o recriminaria por ter sido tão fiel ao amor que sentia por sua falecida esposa, mas Mariana me incomodava mesmo eu não querendo admitir.

"Mariana foi um capricho." — Continuou. "Tanto que quando ela foi embora eu pouco fiz para tentar tê-la de volta, pois tudo o que eu queria, quem eu queria, era Maria Santa."

"Eu sei, Inocêncio, eu já sei disso tudo." — Disse cansada. "Você não precisava ter vindo ao Espírito Santo para me dizer isso."

"Você não entendeu, não é?" — Tentou se aproximar e dessa vez não me afastei, eu já não tinha para onde ir. "Aurora eu não estou aqui para te dizer que você significou tão pouco em minha vida como Mariana." — Ele já estava tão perto, invadindo o meu espaço, colocando suas mãos nas minhas. "Eu nunca acreditei ser capaz de amar alguém depois de Maria Santa, mas tudo isso mudou depois de você."

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