III - Feridas

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Dentro da noite voraz

Detrás do avesso do véu

Atravessa este verso

A vontade nua

Dormir? Foi praticamente impossível, rolei pela cama a noite todinha atormentada pelo desejo em correr para o quarto de hóspedes e me perder nos braços de Inocêncio, mas eu não podia, precisava manter um pouco da compostura e dignidade, eu já não tinha mais idade para me comportar feito moça vivendo os suspiros da primeira paixão, não, eu já era uma mulher feita e dona das próprias vontades, mesmo que neste momento eu não tenha qualquer domínio sobre os meus desejos.

Não queria sair do quarto, essa bolha que me envolvia era a proteção que eu precisava, aqui dentro tudo era calmo, fora daqui uma realidade me aguardava e eu não queria me derreter novamente com apenas um simples "oi" vindo dele, mas infelizmente eu precisava sair e ser uma boa anfitriã, não poderia desaparecer e simplesmente deixá-lo sozinho em meu espaço, minha casa.

Tomei um bom banho, demorado até, coloquei uma calça jeans acompanhado de uma blusa de cetim laranja e minhas habituais botas, contei até três — acho que um milhão seria melhor — respirei fundo e fui ao seu encontro, ainda era cedo, não passava de nove horas da manhã e ele certamente já me esperava para tomar café.

Estava tão distraída enquanto caminhava para a sala de estar que grande foi o meu susto ao perceber que não era Inocêncio me esperando e sim, Conrado. Só podia ser uma pegadinha comigo, não é possível! Olhei desesperada para os lados procurando por ele, mas sem sinal algum e eu não sabia se o motivo da ausência dele era a presença de Conrado ou se ele ainda não havia descido para tomar café.

"Conrado?" — O olhava incrédula. "O que faz aqui?"

Distância, eu precisava manter distância! O alarme de perigo havia sido acionado dentro de mim.

"Aurora, minha bela." — Disse em tom charmoso e se aproximando. "Vim me desculpar pessoalmente por minha ausência ontem, tive um imprevisto do qual não consegui escapar, me perdoe, minha querida."

Conrado estava tão perto e o perfume dele era tão bom! O que foi? Ele era um homem muito bonito e mesmo estando apaixonada por Inocêncio eu tinha que reconhecer e se um certo coronel já não estivesse tão enraizado em meu coração certamente minha conversa com Conrado teria durado míseros segundos, mas agora tudo é diferente, eu estava diferente.

"Tudo bem." — Respondi neutra. "Você não precisava ter vindo até aqui para se desculpar, mas agradeço." — Sorri sem mostrar os dentes, apenas tentando manter a simpatia e de certa forma querendo encerrar o assunto para que ele saísse logo.

"Não estou aqui somente para me desculpar." — Hum, perigo! Ele estava ainda mais perto, perto até demais. "Gostaria de saber se podemos nos ver esta noite, adoraria tê-la comigo." — Suas intenções? Todas!

Minhas mãos estavam extremamente geladas, talvez alguém tenha diminuído a temperatura do ar-condicionado sem eu perceber ou eu estava apenas sendo tola, creio que a segunda opção é a resposta.

"Conrado..." — O olhei sem graça. "Me desculpe, mas eu não posso."

Ele sempre foi um homem esperto e agradeço por isso, pois não precisei elaborar muito para que ele entendesse os motivos pelos quais eu não poderia.

"Entendo." — Se manteve perto. "É uma pena, pois você é uma mulher incrível, Aurora, mas sei reconhecer uma guerra perdida." — Levantou os braços em rendição.

Eu nada pude dizer, apenas o acompanhei até o seu carro com a total certeza de que aquele seria o nosso último encontro, Conrado se virou para mim e num ato surpreso me envolveu pela cintura e tomou meus lábios nos teus, fiquei sem reação por alguns segundos, mas logo me permiti beijá-lo, dizer adeus para uma pessoa importante em minha história, um amigo que muitas vezes transformou a minha solidão em chamas. Nos beijamos por alguns instantes até ele se afastar e encostar sua testa na minha.

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