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Desde que eu era criança, o mar sempre foi o meu local favorito.

Meu aniversário de dezoito anos foi na praia, a minha festa de formatura foi numa casa de praia e o meu casamento também foi na praia. O mar sempre marcou meus melhores momentos, bons ou ruins.

Havia uma certa beleza melancólica nas ondas batendo na areia, na forma como elas sempre quebravam, mas renasciam altas e fortes. Assim que meu ex-marido pediu o divórcio, pensei que seria fácil renascer alta e forte após ter quebrado. Mas era mais difícil do que eu havia imaginado.

O mar acompanhou minha solidão. As noites que eu passava à beira dele, observando o mar, chorando ou bebendo. Eu criei péssimos hábitos pós-divórcio. O álcool era um deles.

Eu odiava álcool. Sempre odiei o sabor, a forma como o cheiro dessa merda impregnava as roupas e o hálito. Na minha infância, eu aprendi a odiar essa droga que destrói as pessoas e as relações, já que o meu pai se perdeu na bebida e deixou ela o consumir até a morte. Eu cresci sabendo do poder de destruição do álcool.

Mas, em momentos ruins, você se vê fazendo coisas que nunca imaginou fazer pra escapar da realidade. As coisas dão errado quando você está sem rumo, e o que pode ser pior pra uma pessoa já destruída? Eu sabia que o meu pai deveria sentir desgosto de mim ao me ver beber, e eu não o julgava por isso.

Lidar com um divórcio como o meu era lidar constantemente com o sentimento de abandono, era me perguntar todos os dias como e onde tudo começou a desandar e entender que o meu amor já havia passado, mas a saudade de me sentir amada, não.

Tudo mudou muito rápido. Em poucos meses depois do nosso aniversário de três anos de casamento, as coisas não eram mais as mesmas. Ele voltava tarde, cansado, frio. Quase não me abraçava. Quase não me beijava. Até o diálogo se tornou chato, sem sal. A gente brigava sempre pela falta de atenção dele, mas nunca resultava em uma melhora.

O amor dele esfriou, claramente se acabou. E, em pouco tempo, ele já estava me desejando boa sorte e virando as costas. Porra, eu me senti a pior das mulheres depois de fazer tudo pra tentar dar certo e resultar no fim.

Depois de sonhar tantos anos e planejar tanta coisa pro nosso futuro, nos desapaixonamos como dois estranhos. O nosso tempo havia passado, e eu não conseguia aceitar isso. Eu não conseguia lidar com o fato de estar sozinha novamente, sem minha estrada segura. Eu me sentia num barco sozinha em meio a um mar cinza; desamparada e abandonada. Ele foi e levou embora meus sonhos e expectativas, todas as coisas que nós havíamos criado juntos. Me deixou um vazio no peito e a saudade imensurável de me sentir segura e amada novamente. Tava foda de aceitar que a festa havia acabado.

Encarei o teto por longos minutos depois de acordar. O quarto cinza parecia ainda mais sem cor enquanto a melancolia de acordar sozinha se instalava. Morar na mesma casa em que morávamos antes juntos não era a decisão mais inteligente, mas eu tinha que aproveitar a única coisa que o Daniel havia deixado pra mim além da tristeza.

Vesti um vestido azul pra passar uma sensação de paz que eu com certeza não estava sentido. Me maquiei com cuidado pra esconder as olheiras de noites passadas em claro, mas a cobertura não foi o suficiente pra esconder o cansaço que os meus olhos transmitiam. Engoli meu café amargo em rápidos goles antes de me apressar em direção a escola, fazer a única coisa que eu sabia conseguir fazer bem: ensinar.

Eu vou pedir pra vocês se separarem em grupos formados por três. Vou entregar uma folha com questões de interpretação pra treinar a leitura de vocês e eu quero que entrem em consenso sobre as respostas que acham corretas, tudo bem? – perguntei à sala, que confirmou com a cabeça. — Se vocês tiverem dúvidas sobre alguma palavra, é só me perguntar que eu irei até as mesas.

Apesar de serem difíceis, eu adorava meus alunos. Eram muito talentosos e criativos, e eu gostava de estimular isso além da mesmice que às vezes o inglês se tornava.

Meu grupo tem cinco, professora. – um dos garotos da turma falou. João. Ele não era muito interessado nas aulas, mas era até participativo, quando não estava perturbando todo o resto da sala com brincadeiras sem graça. — Você não pode aumentar a quantidade? É sempre ruim quando sobra alguém.

Seriam muitas pessoas pra um só trabalho, João. Os dois que sobrarem podem fazer uma dupla, sem problemas. – esses dois que sobraram bufaram, como se fosse difícil se separarem por alguns minutos. Apesar de que eu não estava em posição pra julgar muito isso.

Qual foi, professora... A senhora já foi mais legal com a gente... – João disse, e o grupo dele concordou.

—  Só porque você está passando por um divórcio, não precisa descontar na gente, né? Talvez seja por isso que a senhora ficou solteira: tá muito exigente e inflexível. – eu definitivamente não esperava ouvir aquilo. Principalmente do Rafael. Um dos meus melhores alunos, que havia chegado há poucos meses, mas que ultimamente tinha mudado seu comportamento pra se encaixar nesse mesmo grupo. O tom dele foi de brincadeira, o que fez os meninos rirem e me olharem, esperando que eu achasse engraçado também.

Mas ouvir aquilo foi decepcionante. O meu sorriso morreu lentamente e a sala ficou em silêncio, com um péssimo clima. Me arrependi de ter comentado sobre o divórcio com algumas meninas que questionaram a falta da minha aliança nos últimos meses.

Tossi e forcei um sorriso. Me senti no fundamental novamente quando alguém dizia algo que eu não gostava, mas eu só sorria e aceitava por me faltar reação.

Eu não consegui dizer nada. Engoli a vontade de chorar que subiu pela minha garganta e distribui as folhas pela turma, sem muito foco no olhar. Pensar que o meu divórcio estava interferindo no meu trabalho ao ponto dos meus alunos comentarem sobre isso me deixava pior do que eu já estava.

No fim da aula, eu olhei pro Rafael guardando as coisas pra sair da sala, evitando contato visual comigo, parecendo com medo de eu fazer algo como brigar com ele. Eu não era dessas. Tinha sido uma brincadeira, eu sabia disso. Sem intenção de me machucar ou ofender, mas ainda assim mexeu comigo. Me fez lembrar de um assunto sensível, num lugar que eu deveria esquecê-lo.

Em outras situações, eu chamaria o aluno pra conversar, corrigiria o que ele disse pra não acontecer de novo, mas pelo menos naquela hora, eu não havia encontrado nenhuma vontade de fazer isso. Entrar novamente naquele assunto que eu nem deveria ter trazido pra sala de aula. Talvez em outra hora, em outro momento.

O Rafael passou por mim com a cabeça baixa, murmurou uma despedida e saiu da sala, meio envergonhado. Eu acenei com a mão quando ele olhou pra trás.

Na sala agora vazia, eu olhei pras minhas mãos que tremiam fracamente. Senti meu peito apertar e meu nariz formigar. Eu reprimi a vontade de chorar olhando pra cima e engolindo as lágrimas. Amanhã o dia nasceria, e esse seria mais um dos dias difíceis que eu iria esquecer. Com a ajuda de algumas garrafas de vinho e a vista do mar.

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olá! me digam nos comentários o que vocês acharam do primeiro capítulo, tô contando muuuuito com o apoio de vocês. um beijão, espero que gostem 💗

Solidão e Mar - Roberto Nascimento.Onde histórias criam vida. Descubra agora