02-Florescer: O lírio branco I

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Algo frio o tocou o rosto de Mikhail, Uma gota solitária, um resquício do sistema de irrigação que descia pela folha de uma árvore até encontrar-se com seu rosto. A sensação gélida o fez despertar, seus olhos piscaram para afastar a névoa do sono, porém sua visão estava embaçada, como se o mundo ainda estivesse retomando sua forma. O gosto inebriante do licor; ele ainda podia senti-lo, arranhando a garganta. Sua cabeça, provavelmente afetada pelo álcool, parecia girar em concerto com o ambiente a sua volta. Sabendo que não conseguiria ficar de pé, Mikhail fechou fortemente os olhos e se recostou sob uma lápide de mármore, cujo estado era impecável, quase parecia recém construída, diferente de qualquer outra lápide que se veria em um cemitério.

Após repousar alguns minutos, permitindo a si o retorno de seus sentidos. Mikhail abriu os olhos. Ele estava cercado por flores no que mais parecia uma espécie de jardim artístico,  o qual possuía um rico conjunto de cores que se desdobravam diante de si. Os canteiros estavam repletos de flores de todas as formas e tamanhos, que criavam uma vasta explosão de tons coloridos, alternando do vermelho vibrante ao amarelo ensolarado, do rosa suave ao violeta profundo e do laranja radiante ao azul celeste. Esta ornamentação em nada se assemelhava a figura apática e sombria de Mikhail, muito menos com o sentimento em seu peito.

Este não era o Mikhail de agora, era uma versão sua que já fora, outrora, distante, uma versão mais jovem, ainda não calejada das dores que sentira. Em uma idade tão tênue que levaria qualquer um a questionar como pudera desenvolver livremente o interesse em bebidas alcoólicas.

Ainda tonto, ele se ergueu. Uma ardência insistente incomodava os seus olhos, claramente ocasionada por um pranto recente, o qual nem ele mesmo soubera quando tivera ocorrido.

 Mikhail se destacava como um contraste vívido em relação ao ambiente ao seu redor, uma figura sombria e triste em meio ao deslumbrante espetáculo de cores que o cercava. Em meio a tudo aquilo, o jovem era uma figura patética, apagada e sem vida, enquanto discordava com a delicadeza e a beleza das flores que o rodeavam.

Antes de partir, ele decidiu verificar o pequeno lírio branco que, até aquele momento, ainda não havia florescido. A planta era de recente aquisição e, devido a sua natureza rara, levou anos para que Mikhail conseguisse tê-la em seu jardim. No entanto, apesar de todos os cuidados dedicados a ela, a flor não mostrava sinais de crescimento ou de estar desabrochando.

A figura contrastante retirou-se, caminhando por todo o jardim até chegar a porta. O local como um todo assemelhava-se a uma vasta estufa, com placas refletoras que criavam a ilusão de um céu que seria eternamente ensolarado e bonito assim como o que estava enterrado ali. No entanto, quando o sistema de scanner identificou a biometria de Mikhail, as placas revelaram-se simples telas de projeção que revestiam todo o espaço, como se as próprias paredes fossem imensos monitores transmitindo a imagem do céu. Algo que se revelou também foi o real horário do dia: já era noite, Mikha havia demorado muito tempo ali; já era hora de voltar para casa. E assim o fez, ao retirar-se do local, entrou em seu carro e seguiu viagem pelas estradas da cidade de Alantis.

Arbor não possuía esse nome por uma simples coincidência, ele fora escolhido pois a cidade como um todo havia sido construída numa estrutura de interconexões, que funcionavam como meio de interligar as cidades irmãs á metrópole. Mas não apenas isso: ao serem vistas de cima as estradas dentro das cidades também se assemelhavam a ramos e galhos de uma grande arvore, cruzando diversos pontos. 

Alantis era esmagadora em presença, a vegetação que circundava ruas, calçadas e prédios, não limitava-se a um simples adorno, eram estrategicamente posicionadas para fornecer sombra e garantir um aspecto de ambiente sustentável, elas tomavam conta de grande parte do cenário e junto a elas a arquitetura moderna dos edifícios, padronizados em branco e com formas diversas, construíam a identidade visual de Arbor. 

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⏰ Última atualização: Sep 30 ⏰

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