Quando o Silêncio Fala - Rayssa Leal

Capitulo 9

A cidade estava em um frenesi, com as Olimpíadas prestes a começar. As ruas eram inundadas por bandeiras e pôsteres que anunciavam o grande evento, e a atmosfera era carregada de expectativa e nervosismo. Rayssa estava no auge de sua forma física, mas mentalmente, as coisas não eram tão simples.

Ela passou a última semana se dedicando a treinos intensos, tentando focar apenas na competição. Seus pensamentos, no entanto, frequentemente se voltavam para a conversa com Nathalia. A dor e o arrependimento ainda a acompanhavam, mas ela sabia que não podia deixar isso atrapalhar sua performance.

Na academia, Rayssa estava cercada por sua equipe, todos concentrados em cada detalhe de sua preparação. Felipe, seu amigo de longa data e quase um irmão, estava sempre ao lado dela, oferecendo apoio e tentando levantar o ânimo da skatista. Mas ele não podia ignorar as olheiras sob os olhos de Rayssa, ou o fato de que ela estava mais silenciosa do que o normal.

- Ei, Rayssa - chamou Felipe durante um intervalo nos treinos. - Como cê tá se sentindo? Sabe que não precisa carregar tudo sozinha, né?

Rayssa sorriu, mas o sorriso não alcançou seus olhos.

- Tô bem, Felipe. Só concentrada, sabe? Mas... é, tem muita coisa na minha cabeça.

Felipe assentiu, compreensivo. Ele sabia exatamente o que, ou melhor, quem estava ocupando a mente de Rayssa.

- Eu sei que cê quer dar o seu melhor nas Olimpíadas, mas não esquece de cuidar de tu também, tá? E... quem sabe, tentar resolver o que ficou pendente?

Rayssa suspirou, mas assentiu. Ela sabia que Felipe estava certo, mas ainda era difícil pensar em como lidar com tudo.

Enquanto isso, em um apartamento na zona sul do Rio de Janeiro, Nathalia também estava se preparando, mas de uma maneira completamente diferente. Cercada por malas abertas e roupas espalhadas, ela tentava decidir o que levar para a viagem. A ansiedade de cobrir um evento tão grande era quase esmagadora, mas, acima de tudo, era a ideia de viajar sozinha que a deixava mais apreensiva.

- Primeira vez sem a família por perto... - murmurou para si mesma, enquanto colocava uma roupa dentro da mala. - Vai dar tudo certo, Nathalia. É só mais um trabalho, cê consegue.

Ela respirou fundo, tentando se convencer, mas a verdade era que a ideia de encontrar Rayssa depois da última conversa era algo que não saía de sua cabeça. Nathalia sabia que teria que enfrentar seus sentimentos de alguma forma, mas não sabia se estava pronta.

Os dias seguintes foram uma correria. Rayssa terminou seus preparativos, revisando cada detalhe com sua equipe, enquanto Nathalia se dividia entre a montagem dos looks que usaria durante a cobertura do evento e os compromissos que antecediam a viagem.

No entanto, ambas sabiam que a verdadeira prova de fogo não seria apenas a competição ou o trabalho que as esperava em Paris, mas sim o inevitável encontro entre elas.

As Olimpíadas, com toda a sua grandiosidade, pareciam pequenas diante do turbilhão de emoções que elas estavam prestes a enfrentar.

Quebra de tempo

Na casa de Rayssa, o clima era de concentração total. Os últimos dias antes da viagem para as Olimpíadas estavam repletos de detalhes a serem finalizados, desde a organização da bagagem até a coordenação dos horários com a equipe. Lílian, sua mãe, cuidava de tudo com a precisão de quem já havia passado por isso várias vezes. Ela sabia que, apesar da confiança que Rayssa demonstrava, havia uma tensão subjacente que ela não conseguia esconder.

- Filha, já separou tudo? Lembra que o clima lá vai estar bem diferente do nosso - Lílian comentou, enquanto dobrava algumas camisetas e as colocava na mala.

- Já, mãe. Tô levando umas roupas mais quentes também. E, claro, meus skates. - Rayssa respondeu, tentando soar despreocupada, mas o nervosismo transparecia em sua voz.

Na verdade, o que faltava mesmo era a coragem de encarar Nathalia novamente. Ela sabia que a viagem seria longa e que, em algum momento, teriam que se encontrar. Mas o que a angustiava era não saber como lidar com os sentimentos que ainda estavam tão à flor da pele.

Arthur, seu irmão, apareceu na porta do quarto com um sorriso no rosto.

- Ei, mana, ouvi dizer que a gente vai ter companhia extra na viagem - ele disse, meio provocativo.

Rayssa olhou pra ele, confusa.

- Como assim? Quem mais vai com a gente?

Arthur deu de ombros, ainda com aquele sorriso travesso.

- Só ouvi a mãe comentando que alguém vai tá no mesmo voo que a gente. Mas ela não me disse quem.

Rayssa franziu a testa, tentando pensar em quem poderia ser. Mas antes que pudesse perguntar mais alguma coisa, Felipe entrou no quarto, interrompendo os pensamentos dela.

- Pronta pra arrasar em Paris? - ele perguntou, tentando aliviar a tensão no ar.

- Mais ou menos... - Rayssa admitiu, dando um sorriso tímido. - Mas acho que, com vocês do meu lado, vai dar tudo certo.

Felipe e Arthur trocaram um olhar significativo, como se compartilhassem um segredo que Rayssa não estava percebendo. Mas antes que ela pudesse questionar, sua mãe a chamou para terminar de arrumar a mala.

Do outro lado da cidade, Nathalia estava em um dilema similar. Sentada na beira de sua cama, ela revisava mentalmente tudo o que precisava levar. O convite do COB (Comitê Olímpico Brasileiro) pra cobrir as Olimpíadas como uma das maiores influenciadoras do país era uma honra, mas também uma responsabilidade que ela nunca tinha enfrentado antes.

Além disso, viajar sem a companhia da família era algo novo para Nathalia. Embora tentasse se convencer de que isso fazia parte do amadurecimento, a sensação de solidão era inevitável.

- Será que eu devia ter pedido pra minha mãe ir junto? - Nathalia murmurou para si mesma, enquanto tentava decidir entre dois pares de tênis.

Ela sabia que a resposta era não. Precisava dessa independência, desse momento para provar a si mesma que conseguia lidar com tudo. Mas a insegurança que sentia era inevitável. E, claro, havia a questão não resolvida com Rayssa. A lembrança da última conversa ainda ecoava em sua mente, como uma ferida que não havia cicatrizado.

Ela se levantou, dando uma última olhada no apartamento. Cada canto daquele lugar tinha memórias que pareciam ainda mais intensas agora que ela estava prestes a deixá-lo por algumas semanas.

- Vai dar tudo certo... Vai dar tudo certo - repetiu para si mesma, tentando aliviar o peso da ansiedade.

No dia seguinte, as malas estavam prontas, os documentos separados, e tanto Rayssa quanto Nathalia estavam preparadas para enfrentar os desafios que vinham pela frente. No entanto, nenhuma das duas estava realmente pronta para o que aconteceria quando se encontrassem.

As Olimpíadas prometiam ser uma experiência inesquecível, mas era o reencontro com Nathalia que estava no centro das preocupações de Rayssa. E, apesar de Nathalia tentar se concentrar em seu trabalho, era inevitável que ela pensasse em Rayssa a cada momento.

No fundo, ambas sabiam que essa viagem poderia ser um ponto de virada. A oportunidade de resolver o que estava mal resolvido, ou talvez de se despedirem de vez do que restava entre elas.