Capítulo 1 - Gossip

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Só uma bobeirinha que me veio e talvez não vá para frente, hehe. 

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Embora eu não seja particularmente religiosa, não tenho dúvidas de que sou uma pessoa abençoada. Tenho duas filhas fortes e saudáveis, sou a editora-chefe da maior revista de moda do mundo, e, acima de tudo, sou excepcionalmente talentosa em tudo o que me proponho a fazer. 

Talvez mais do que abençoada, eu seja algo próximo de uma divindade.

O dia começou como tantos outros. O céu de Manhattan estava cinza, quase metálico, refletindo a monotonia implacável das multidões que se apressavam pelas ruas, como robôs sem destino. A viagem de carro com Roy foi precisa, eficiente, exatamente o que se espera do meu motorista de confiança. Um homem que, até onde sei, é capaz de prever meus pensamentos antes mesmo de eu decidir expressá-los.

Cheguei à revista, onde o caos habitual já fervilhava em plena potência. Assistentes corriam de um lado para o outro, o som dos saltos ecoando no piso de mármore como uma sinfonia de impaciência. Cada departamento parecia viver em um estado perpétuo de frenesi, e eu... bem, eu gosto de acreditar que sou a maestrina desse inferno orquestrado. Talvez por isso me chamem carinhosamente de "o diabo".

Acreditei que este seria apenas mais um dia, um entre tantos destinados ao ordinário. Mas o universo, ao que parece, não estava alinhado com meus planos.

Tudo aconteceu de forma vertiginosa. Eu descia as escadas com a confiança de sempre, até sentir o salto do meu sapato ceder. O corrimão que deveria ter me sustentado fugiu dos meus dedos como se estivesse coberto de óleo. Em seguida, houve apenas a queda. Um instante congelado no tempo. O impacto de minha cabeça contra o mármore e a escuridão que se seguiu.

[...]

Quando abri os olhos, percebi que havia se passado um bom tempo; o céu do lado de fora já estava completamente escuro. Andrea, minha segunda assistente, dormia em um sofá minúsculo ao lado da cama de hospital. Ela estava encolhida, seus óculos levemente tortos, o rosto suavemente marcado pela exaustão. Uma visão quase comovente, se eu me permitisse esse tipo de sentimento.

O quarto de hospital era uma visão de mau gosto, como se tivesse saído de um cenário dos anos 50, com suas luzes fluorescentes ofuscantes e cortinas verde-amareladas, um tom doentio que parecia querer escorrer das paredes. Minha cabeça estava enfaixada e latejava com uma dor intensa, mas havia algo mais — algo sutil, perturbador, fora do lugar.

— Boa noite, Miranda.

A voz veio de uma enfermeira que se aproximava, uma jovem de aparência simpática, embora isso dificilmente importasse para mim. Ela segurou minha mão com cuidado para ajustar o soro, e foi então que ouvi a voz, clara e inconfundível, embora seus lábios estivessem perfeitamente imóveis.

"Será que ela vai me demitir por ter deixado a janela aberta? Como alguém tão importante pode ter um acidente tão bobo?"

Minha reação foi imediata; afastei a mão como se tivesse tocado uma chama. Meu olhar se fixou na enfermeira, estudando seu rosto, procurando uma explicação racional para o que eu havia acabado de ouvir. Mas a jovem apenas franziu o cenho, confusa, e deu de ombros, talvez interpretando minha reação como uma manifestação de meu conhecido desdém pela proximidade física com desconhecidos.

Meu coração, por um momento, acelerou. A insolência das palavras era ultrajante, mas o que me perturbava de verdade era que elas não haviam sido ditas. Elas estavam lá, na minha cabeça, como se eu tivesse invadido seus pensamentos mais íntimos.

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