𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 𝐐𝐔𝐀𝐓𝐑𝐎

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Victoria Morrigan

As folhas secas estalam sob meus pés descalços conforme sigo a trilha familiar de pedras que abre caminho em meio à floresta densa e deserta já tão conhecida por mim. Estou usando apenas a camiseta larga e shorts que vesti antes de dormir. O lugar está silencioso e pacífico, como de praxe. O cheiro de chuva e terra molhada relaxando meu corpo e meus sentidos. Não se ouve nada além do crepitar enquanto sigo adiante, e do vento que sopra as folhas das árvores altas e esplendorosas, tão vibrantes que quase desafiam a realidade.

Sigo meu caminho até o limite da trilha, que me conduz até a parte mais clara da floresta. As árvores terminaram no mesmo ponto que o caminho de pedras, como se um dependesse do outro para avançar. Acima, o céu azul sem nuvens se estende em toda a sua imensidão, enquanto a grama bem aparada termina abruptamente em um penhasco mais à frente, que nunca tive coragem de me aproximar para descobrir onde sua queda levaria.

Avanço cerca de cinco passos além da trilha e paro, olhando em volta, aguardando a sensação familiar e reconfortante de sua presença, embora eu saiba, no meu âmago, que ele não estará satisfeito ao me ver. Quando me deitei para dormir, sabia que receberia sua visita, e principalmente, compreendia o motivo.

A brisa fresca soprou em meus cabelos e o mundo à minha volta silenciou. Era isso, ele estava aqui. Eu não podia vê-lo, nunca pude, ele nunca permitiu. Mas sentia sua presença em todos os lugares, e meu corpo esquentou, relaxado, como se aninhado por um cobertor quente. A presença dele era assim, acolhedora. Não importava o motivo de sua visita, ou o quão irritado estivesse comigo, a companhia de Annael era sempre protetora e afetuosa, mas isso não significava que eu não estava nervosa. Eu estou sim. Nervosa demais. Levar bronca da espiritualidade não é algo com o qual a gente se acostuma.

- Victoria - a voz grave e etérea corta o silêncio absoluto, ecoando pela floresta, vinda de todos os lugares e de lugar nenhum ao mesmo tempo.

- Guia... - minha voz sai por um fio, baixa e suplicante, enquanto baixo o olhar para meus próprios pés. Quero dizer algo, mas não sei o quê. Cometi um erro, e estou envergonhada. E arrependida. Eu acho.

- Você não tem nada a me dizer? - A voz rígida me faz engolir em seco. - Sei que você entende o motivo de estarmos aqui.

Sim, eu sei. Mas dizer isso em voz alta seria admitir para mim mesma o que fiz e, mais ainda, o que senti. E eu simplesmente não estou pronta para isso. Não posso aceitar que me deixei levar por alguém como... ele.

Seu nome paira na ponta da minha língua, deixando um sabor amargo. Não consigo pronunciá-lo. Falar sobre o que aconteceu ontem, e tudo relacionado a ele, tornaria tudo real demais. E eu não quero aceitar isso. Eu não posso aceitar.

- Permanecer em silêncio não absolverá o erro que cometeu, Victoria. Conheço cada um de seus pensamentos; pensei que, após tantos anos, já estivesse ciente disso.

Estremeço com a frieza de sua fala, e uma pontada de irritação começa a ferver em meu peito, fazendo meus músculos se retesarem. Minhas mãos se fecham em punhos, e sinto as unhas cravarem fundo nas palmas. Um pouco de privacidade seria bom.

Fecho os olhos e respiro fundo, esforçando-me para recuperar o controle sobre minhas emoções. A irritação que sinto é a prova do meu erro; Annael não tem culpa alguma. Muito pelo contrário.

Solto um longo suspiro e ergo o olhar para o céu, imaginando que, se pudesse vê-lo, é ali que ele estaria.

- Estou ciente do erro que cometi. Não acontecerá novamente, eu prometo. - É tudo que sou capaz de dizer, e me amaldiçoo mentalmente por isso.

Made In Heaven • Dark RomanceOnde histórias criam vida. Descubra agora