Parte I

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Nem mesmo ao espremer os fios mais claros de meu cabelo senti que a sujidade tinha verdadeiramente escorrido por meus dedos, me livrando de toda poeira que aquela experiência invulgar tinha deixado. Independente da quantia de shampoos que gastasse, os litros de água que permitiria escorrerem por meu corpo... Nada parecia assegurar que estava tudo cem por cento limpo, mas eventualmente isso sairia de mim.

O que, de fato, me preocupava, não era a quantidade de vezes em que havia esfregado a espuma do sabonete rosado contra meu corpo, mas o que a Poguelândia, como eventualmente tinham decidido chamar à pequena ilha que nos tínhamos hospedado informalmente, tinha deixado em mim além da poeira.

Pensei nas noites à fogueira inegociáveis, nas piadas péssimas improvisadas, na areia em que tínhamos de dormir, nos bichos que tínhamos de caçar. Lembrei-me de como, entusiasmada, pulei aos braços dele em êxtase, potencialmente de propósito em apertá-lo mais uma vez sem que fossem plantadas questões. Então apertei os fios alourados e castanhos do meu cabelo, pois o que me afligia verdadeiramente era ele que, chateado, sequer se tinha despedido de mim na última conversa, vagando por aí em sua moto.

Ao abandonar o vapor acumulado no box e apertar a toalha branca contra a minha cabeça, quase escorreguei no azulejo ao pensar na proximidade dupla de nossas bocas, na vulnerabilidade e lentidão de suas palavras e movimentos. JJ costumava ser hiperativo, acreditava que ainda fosse, mas aqueles momentos tinham o menor pico da atividade que ele podia apresentar. Seus olhos se concentravam em mim e eu, tão vulnerável quanto, me concentrava nele, e tudo que eu não fazia era me questionar. Mas éramos bons em ser o oposto um do outro, o que nos rendia discussões descontextualizadas, mas momentos como aquele - em que eu sabia que ele fazia todas as questões que eu não me fazia.

Quando saí do quarto, não tive muito tempo para pensar em como JJ estava passando mais de seu tempo à minha volta do que o costume. Pulei para trás com as mãos junto à barra da toalha ao ver minha mãe sentada sobre o colchão vestido, visitando a caixa de fotos que por algures do meu quarto estava guardada, certamente.

— Sempre que eu tinha uma crise, um pico de esperança abaixo do normal, aqui era o meu refúgio e farmácia – ela ergueu uma foto onde eu aparecia criança, sorrindo para a câmera com um enorme algodão doce azul entre os dedos, entregando o motivo para a língua estar da mesma forma. – Sempre me recompunha, porque eu sabia que não deixaria essa pequena criança ir.

Eu suspirei, fingi costume. Fui até à penteadeira de madeira branca e sentei-me sobre o banco, apalpando a toalha onde podia, sem me despir, e puxando o pequeno frasco de óleo de amêndoa para aplicar sobre minha pele úmida.

— Eu nem quis reclamar da conta de água porque eu entendo.

Disfarcei o sorriso, espalhando o líquido viscoso em minhas mãos ao observá-la pelo reflexo, dedilhando mais lembranças com uma concentração de vidente.

— Eu ainda consigo sentir que vou ficar careca com o que eu passei – quis aliviar o clima, com o sorriso acanhado ainda pairado sobre meus lábios.
– Esse é o custo de não pensar antes de agir.

Percebi que tinha sintetizado calma, como se as palavras lhe tivessem escapado, inofensivas. Percebi que não me tentava ofender, por isso permaneci calada, mas sem o sorriso que ameaçava começar a se alargar. Entreti-me com o cheiro forte, percebendo pelo movimento do espelho que ela se movia como quem estivesse constrangida.

Quando olhei para cima, ela tinha um olhar curioso.
Provavelmente querendo saber se me tinha ofendido. Prossegui com o protótipo desconfortável de conversa que estávamos tendo.

— Eu acho que eu pensei um milhão de vezes – fingi que também me tivesse escapado, quando sabia que lhe ofenderia.

E quando desatei o nó da toalha em minha cabeça, ouvi-a perguntar no tom repulsivo que eu esperava: - Suponho que em nenhuma das um milhão de vezes, eu fui parte da equação, então.

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