O cheiro forte de fumaça fez Xu Lee despertar do seu sono profundo. Ela olhou para os lados sobressaltada, percebendo que sua cama estava ensopada de suor devido ao calor. Ainda pior do que isso, ela vislumbrou labaredas de fogo se espalhando pelas paredes do templo, invadindo seu quarto, queimando tudo o que encostava. A garota subiu na cama enquanto seu quarto se transformava em um verdadeiro inferno.
— O que é que é isso? O que é que está acontecendo? — Ela perguntou para si mesma, aflita. De repente, escutou um grito ao longe. – Vovó Lau!
Aflita, mas agora com a adrenalina a mil por causa do grito de socorro da avó, Xu Lee arrumou coragem e correu em direção a porta, antes se cobrindo por um lençol para evitar queimaduras na pele. A moça viu uma fumaça negra e pesada preenchendo o ambiente e ficou desorientada, tudo se desfazia em chamas. Ela escutou novamente o grito da avó e correu em direção ao aposento da matriarca.
— Vovó Lau, como você está?
Era difícil ver. Era difícil andar. Era difícil respirar. Xu Lee usou todas as suas forças para chegar onde a avó estava. Já a idosa, com 102 anos de idade, se encontrava encolhida no canto do seu quarto. As chamas já tinham destruído sua cama, avançando na penteadeira de madeira. Xu Lee viu os olhos cheios de lágrima da avó.
— Vovó, venha até mim! — Xu Lee suplicou, mas percebeu que seria uma tarefa impossível. Entre as duas mulheres de idades distintas, havia uma cama que se transformara em uma enorme fogueira. — Vovó...
— Vá embora, Xu! Você deve seguir a sua vida sem mim.
— Eu não vou deixar você!
Um pilar de madeira tombou para o lado e transformou o quarto, que já tinha vários objetos em chamas, em uma prisão de fogo. A mais jovem olhou para os lados, tentando encontrar uma solução, mas não havia nada que ela pudesse fazer para afastar os móveis ou para chegar mais perto da avó. Xu Lee tossiu várias vezes enquanto pensava. Entretanto, seu raciocínio foi interrompido quando viu a avó tomar uma atitude inesperada: Lau Lee avançou em direção a penteadeira e enfiou a mão em uma gaveta, mesmo o objeto estando em chamas.
— NÃO! CUIDADO! — Xu Lee berrou ao ver a idosa queimar as próprias mãos. — Vovó, não faça isso! Por que você está se arriscando assim?
A aflição chegara ao extremo. Xu Lee tentou dar um passo a frente, mas o calor das chamas impedia qualquer movimento em direção a avó. Do outro lado do cômodo, a idosa Lau Lee se esforçava para ignorar a dor da mão queimada. Ela olhou para o que tirou da gaveta, com um grande alívio, para em seguida encarar a neta.
— Abra quando estiver em um lugar seguro!
— Abrir o quê? Do que você está falando?
— Você saberá.
Foi então que Lau Lee arremessou por cima das chamas uma caixa preta em direção a neta. Xu Lee pegou o objeto no ar sem entender o que estava acontecendo. Era uma caixa pequena, que cabia na sua mão, mas tão importante ao ponto de Lau Lee queimar a própria mão para pegá-lo.
— Busque por ela! Busque pela sua mãe!
Os olhos de Xu Lee se encheram de lágrimas. Ela agarrou a caixa com força e viu o teto do quarto da matriarca desabar. Um grito desesperado saiu da garganta da mais nova. Ela chorou, gritou, berrou. Mas nada iria refazer o que acabara de acontecer. Xu Lee correu em direção a saída do templo Lee Yang enquanto segurava a caixa com força, seu último presente da avó. Lágrimas abundantes caiam dos seus olhos. Ela torcia para que suas lágrimas se transformassem em rio e apagassem todo o fogo que destruía o templo. Mas as suas lágrimas eram pequenas, pífias em comparação ao fogaréu.
A jovem achou a porta de saída e cambaleou para o meio da rua, vendo que várias pessoas já se aglomeravam ao redor do templo em chamas. A maioria eram curiosos, que estavam com seus pijamas e se agasalhavam no frio da noite para poder fofocar sobre aquela tragédia. Outras estavam com seus celulares na mão, filmando o incêndio e compartilhando nas redes sociais.
Não demorou muito para o barulho da sirene do corpo de bombeiros preencher o ambiente. Xu Lee olhava para tudo atônita, sem conseguir acreditar nos seus próprios olhos. Ela viu vários homens saírem do automóvel vermelho e puxarem uma extensa mangueira, começando a despertar água na construção em chamas. Uma mulher do corpo de bombeiros se aproximou de Xu Lee para saber se ela estava bem. Xu só conseguiu balançar a cabeça em confirmação. Nada saía da sua boca.
A profissional, com seu uniforme bege, guiou Xu Lee até o extremo oposto da rua, em um lugar seguro. Assim a menina de olhos azuis fez, vivendo como se o mundo se movesse em câmera lenta.
Aos poucos, o incêndio deixava de ser novidade e os curiosos voltavam para suas casas. As chamas passaram a ser controladas pelo profissional, e Xu Lee olhou para baixo, vendo o pacote preto. O último presente.
— Buscar pela minha mãe... — Xu Lee sussurrou. Ela então abriu a caixa, encontrando um papel de arroz com um endereço escrito a lápis. — Rua Camilo de Souza, número 37, São Paulo, Brasil.
Ela respirou fundo, colocando o papel sobre seu peito.
— Brasil... É lá que vou encontrar minha mãe.
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Pé de Chinesa
FanfictionXu Lee (Jade Picon) foi criada pela sua avó, Lau Lee Yang (Fernanda Montenegro), em um templo de Kong Fu na China. Xu foi trazida do Brasil para a China quando ainda era muito nova. Ela não se lembra da mãe e sonha em um dia reencontrá-la. Durante s...