CAPÍTULO 4 - EVA

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A senhora ao meu lado tem cantarolado músicas antigas desde o início do voo. Tento me concentrar no filme na tela à minha frente, mas é praticamente impossível ouvir qualquer coisa além dos seus murmúrios. Aos poucos, meu humor começa a azedar.
Olho ao redor, buscando algum outro passageiro incomodado com o barulho, mas tudo o que vejo é um bebê no assento à frente, me observando atentamente. Com seus pequenos olhos claros, ela me encara com uma curiosidade quase adulta, como se entendesse que estou à procura de alguém para compartilhar minha frustração. Sorrio para ela e movimento a boca, murmurando: "Estou certa, né?" Em resposta, ela dá uma risadinha.
— Boa tarde, passageiros. — Uma aeromoça ruiva, provavelmente da minha idade, aparece no corredor. — Em 10 minutos, começaremos a servir o almoço. Pedimos que todos permaneçam em seus assentos até escolherem suas opções.
Acho interessante terem colocado aeromoças que falam português neste voo, já que a maioria dos passageiros parece ser brasileira.

— Gostaria de localizar a passageira Eva Bittencourt — a aeromoça anuncia de repente.
— Sou eu. Algum problema? — respondo, levantando a mão, um pouco confusa.
— Temos uma entrega para você — ela diz, desaparecendo no final do corredor. Quando volta, está segurando um buquê enorme de gérberas vermelhas, uma carta e uma caixinha verde água. — O senhor Matias nos pediu para entregar antes do almoço.

Pego os presentes, completamente encantada. Eu e Matias namoramos há quatro anos, e ele ainda sabe exatamente como me deixar sem palavras.

— Obrigada — agradeço à aeromoça, que observa meus presentes com um sorriso encantado e uma leve pitada de inveja nos olhos.

Coloco as flores na mesinha à minha frente e, antes de mais nada, abro a carta.

SE EU PENSASSE EM FÍSICA QU NTICA O TANTO QUE PENSO EM VOCÊ, HOJE EU SERIA UM ÍDOLO DO MUNDO FÍSICO.”
(-M)

Dou uma risada baixa. Matias largou tudo para se mudar comigo para Nova York depois que terminou a faculdade. Hoje, ele trabalha como pesquisador e professor de física quântica em uma universidade renomada.
Dentro da caixa, encontro chocolates veganos e uma pequena caixinha de veludo preta. Ao abrir, vejo um colar com um pequeno pingente em formato de coração, gravado com a inicial de Matias. A senhora ao meu lado suspira. Quando olho para ela, seus olhos estão cheios de lágrimas; parece que não fui a única a me emocionar.
Matias e eu somos um casal improvável. Nos conhecemos na adolescência, mas nunca tivemos nada sério até a época da faculdade. Após o ensino médio, prestei vestibular para física, e nos reencontramos no primeiro dia de aula. Ficamos inseparáveis desde então. Quando decidi trancar o curso, foi Matias quem mais me apoiou a encontrar algo que eu realmente amasse. Ele me levou para fazer o vestibular de moda na USP, mesmo morando no Rio de Janeiro na época.
Foi durante essa viagem que ficamos pela primeira vez. Nosso primeiro beijo aconteceu na última noite em São Paulo. Estávamos voltando de um karaokê com Nic e alguns amigos, quando, no Uber, começamos uma conversa sobre o espaço e o tempo. Matias olhava fixamente nos meus olhos e, de repente, disse que tudo o que mais queria era que eu passasse no vestibular e fosse feliz, mesmo que isso significasse nos afastarmos por um tempo. Pode ter sido o álcool, o perfume dele que me envolvia no carro, sua personalidade sempre tão gentil, ou a luz da lua que iluminava seu rosto e tornava seus olhos ainda mais verdes. Naquele momento, senti uma atração tão magnética que não consegui segurar. "Você não ousaria se afastar", eu disse, quase implorando para que ele me beijasse. Involuntariamente, me aproximei dele. Por alguns segundos, ele ficou me encarando, desviando o olhar dos meus olhos para a minha boca. Eu via os sentimentos conflitarem com os desejos nos seus olhos. Quando ele finalmente falou, foi um suave "posso?", seguido por uma mão firme na minha nuca, me puxando para mais perto..
Não preciso dizer que, depois daquela viagem, nos apaixonamos perdidamente e nunca mais nos desgrudamos.
Coloco o colar e noto um pequeno papelzinho no fundo da caixa. Ao abrir, leio uma única frase: "Não vejo a hora de ter você só pra mim de novo." Um sorriso bobo se forma nos meus lábios. A aeromoça se aproxima com o carrinho de comida, me arrancando dos meus pensamentos.

— O senhor Matias nos informou que a senhorita é vegana e pediu para incluirmos este prato para você. — A aeromoça diz, deslizando um prato de strogonoff de cogumelos e uma taça de vinho branco na minha direção.

Agradeço e, nos meus pensamentos, só consigo pensar que tenho o melhor namorado do mundo. Tiro uma foto do prato e dos presentes para enviar às meninas quando tiver sinal, e escrevo uma mensagem para ele, dizendo o quanto o amo e sou grata por tê-lo. Aproveito para adicionar um lembrete no celular para encomendar um whisky e um jantar para entregar em casa hoje à noite. Por mais que eu ame estar com as meninas, não vou mentir: vou sentir uma falta absurda dele nesta semana, mesmo sabendo que, de alguma forma, ele vai arranjar um jeito de estar presente, mesmo à distância.
Olho para a bebê e começo a pensar sobre o nosso futuro. Será que minha amizade com as meninas mudaria se eu e Matias nos casássemos? Será que ele pensa em casamento, já que estamos juntos há quatro anos? Será que ele está realmente feliz comigo, ou será que, em algum momento, ele se arrepende de tudo o que deixou para trás por mim? As pessoas sempre dizem que os relacionamentos são cheios de incertezas. Nós nunca tivemos isso, mas, agora, sinto o peso delas sobre meus ombros.
Enquanto termino o almoço e o voo segue seu curso, meus pensamentos continuam a girar em torno de Matias e das questões que surgem em meu coração. Apesar das dúvidas que teimam em aparecer, uma coisa é certa: o amor que sinto por ele é profundo e verdadeiro, algo que não se abala facilmente. Sei que as incertezas fazem parte de qualquer relacionamento, mas também sei que estamos dispostos a enfrentar tudo juntos. Com um suspiro, deixo essas preocupações de lado, permitindo que a animação tome conta de mim ao pensar nas próximas horas. Em breve, estarei com as meninas, e mal posso esperar para reviver nossas histórias e criar novas memórias. Afinal, apesar de todos os desafios, a vida é feita desses momentos — de amor, amizade, e da certeza de que, não importa o que aconteça, não estou sozinha.

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