O ar parecia mais denso à medida que Charlotte subia o morro. Cada passo era uma combinação de hesitação e coragem forçada. O sol se punha atrás dos prédios, deixando um tom alaranjado nas vielas estreitas, e ela podia sentir os olhares desconfiados dos moradores sobre si. Não estava em seu ambiente, e todos ali sabiam disso.
Sua mente fervilhava. Como tinha chegado àquele ponto? A herdeira da renomada família Austin, criada entre festas de gala e viagens internacionais, agora pisava em um território que só conhecia de reportagens sensacionalistas. Seu coração martelava no peito, enquanto o som da música distante e as conversas abafadas das casas ao redor formavam um pano de fundo caótico.
Charlotte segurava a bolsa com força, quase como se estivesse protegendo o pouco que restava de sua dignidade. Vestia uma calça de linho bege e uma blusa de seda que, claramente, não combinavam com o ambiente ao redor. Por dentro, sentia o medo se misturar à vergonha — vergonha de ter se permitido cair tão fundo, de precisar pedir ajuda a alguém como Engfa.
Ao longe, ela avistou a grande casa no topo, que contrastava com o restante da comunidade. A fachada era mais imponente, uma mistura de simplicidade e poder. Era ali que Engfa a esperava. Charlotte havia ouvido histórias sobre a mulher; sobre sua ascensão no morro, seu controle sobre o tráfico de influências e seu jeito impiedoso. Mas, ao mesmo tempo, ela sabia que Engfa era conhecida por cumprir suas promessas. E Charlotte precisava desesperadamente de uma.
Ao se aproximar, dois homens que estavam encostados no muro se entreolharam, antes de bloquearem sua passagem.
— Aonde pensa que vai? — um deles perguntou com uma voz seca e desconfiada, o sotaque carioca arrastado.
— Eu... eu tenho um encontro com Engfa — Charlotte respondeu, sua voz trêmula, mas firme o suficiente para não parecer totalmente vulnerável.
Os homens se entreolharam novamente. Um deles, com uma cicatriz no rosto, fez um sinal de cabeça. Após alguns segundos de hesitação, o caminho foi liberado.
— Pode entrar — disse ele, com uma espécie de sorriso sarcástico nos lábios.
Charlotte respirou fundo e passou por eles, sentindo o peso dos olhares nas suas costas. Ao abrir a porta da casa, foi recebida por uma sala espaçosa, decorada com simplicidade, mas com toques de riqueza sutil. No centro, de pé, estava Engfa.
A mulher era tudo o que Charlotte imaginava, e ao mesmo tempo, algo mais. Usava uma camisa branca, desabotoada o suficiente para revelar uma corrente de ouro no pescoço, e calças jeans que moldavam seu corpo de maneira casual, mas intimidante. Seus olhos, porém, eram o que mais se destacavam: frios, calculistas, e ainda assim, cheios de curiosidade.
— Então você é a garota rica que veio me pedir ajuda. — A voz de Engfa era suave, mas havia uma intensidade por trás dela.
Charlotte respirou fundo, tentando conter o nervosismo.
— Preciso de um empréstimo — disse ela, direta.
Engfa se aproximou lentamente, cruzando os braços enquanto a analisava de cima a baixo, como se estivesse avaliando uma mercadoria.
— Eu sei. Mas me diga uma coisa, Charlotte... — O som de seu nome nos lábios de Engfa a fez estremecer. — O que uma garota como você estaria disposta a dar em troca?
O silêncio pairou entre elas, pesado, enquanto Charlotte tentava encontrar a resposta certa, sabendo que, dali em diante, nada mais seria igual. A tensão crescendo a cada segundo.
Charlotte sentia o peso do olhar de Engfa sobre si, como se a mulher pudesse enxergar todas as suas fraquezas. Ela sabia que qualquer resposta precipitada poderia comprometer suas chances, mas também sabia que a hesitação prolongada seria vista como fraqueza.
— Estou disposta a trabalhar para pagar a dívida — respondeu Charlotte, finalmente, tentando manter a voz firme, apesar do turbilhão de emoções que sentia.
Engfa sorriu, mas não era um sorriso amistoso. Era um sorriso calculado, quase predatório.
— Trabalhar? — Ela repetiu a palavra como se estivesse saboreando o conceito. — E o que exatamente você acha que pode fazer aqui, princesa?
A forma como Engfa a chamou de "princesa" fez o sangue de Charlotte ferver, mas ela engoliu o orgulho. Não estava em posição de exigir nada, muito menos de reagir. Precisava manter a cabeça fria.
— Sou boa com números, e posso ajudar com qualquer coisa que envolva organização. — Charlotte sabia que sua resposta soava fraca, quase patética, mas era tudo o que tinha. Ela precisava mostrar valor, mesmo em um ambiente onde suas habilidades não pareciam ter muita utilidade.
Engfa deu um passo à frente, e Charlotte pôde sentir o cheiro suave de perfume misturado ao aroma natural de pele e tabaco. A mulher parou tão perto que Charlotte teve que inclinar levemente a cabeça para trás para manter o contato visual.
— Sabe, Charlotte, você é diferente de qualquer pessoa que eu já conheci. E isso me intriga. — A voz de Engfa era quase um sussurro, mas havia algo ameaçador nela. — Mas aqui, no meu território, não importa quem você foi, nem de onde você veio. O que importa é o que você pode fazer por mim. — Ela fez uma pausa, os olhos penetrantes cravados nos de Charlotte. — Então vou te dar uma chance. Você vai trabalhar para mim, mas nas minhas condições. E eu vou decidir o que vale o seu trabalho.
Charlotte engoliu em seco, sentindo um nó se formar em sua garganta. A realidade da situação começou a pesar sobre ela. Não havia volta. Ela estava prestes a mergulhar em um mundo que nunca havia imaginado, sob os termos de uma mulher que claramente jogava conforme suas próprias regras.
— Entendido, Engfa — respondeu Charlotte, tentando manter a compostura. Mas a verdade era que seu coração estava disparado, e a sensação de estar caminhando em território desconhecido a deixava em pânico.
Engfa deu um sorriso satisfeito, como se tivesse ganho algum tipo de batalha silenciosa. Ela se afastou, caminhando lentamente até a janela, de onde podia ver a cidade se estendendo abaixo delas.
— Você começará amanhã — disse Engfa, ainda de costas para Charlotte. — Quero que organize a lista de convidados e que prepare um relatório detalhado sobre os fornecedores. E mais uma coisa... — Ela se virou abruptamente, fixando os olhos nos de Charlotte. — Não me decepcione. Não há espaço para erros aqui. Entendido?
Charlotte assentiu, sentindo-se pequena diante daquela presença dominadora.
— Entendido — repetiu, com a voz mais firme do que se sentia.
Engfa se aproximou novamente, seu olhar agora mais suave, quase carinhoso.
— Eu vejo algo em você, Charlotte. Algo que talvez você mesma ainda não tenha descoberto. Espero que esse algo brilhe enquanto estiver sob o meu comando.
Charlotte não sabia como responder a isso, então simplesmente permaneceu em silêncio. Aquelas palavras ressoavam em sua mente enquanto ela saía da sala, o peso de sua decisão tornando-se mais palpável a cada passo que dava.
Agora, estava comprometida. Engfa havia deixado claro que ela estava entrando em um jogo de poder, onde fraqueza era imperdoável e a única opção era vencer.
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Rainha da Favela - ENGLOT
FanficEngfa Waraha, uma jovem implacável que cresceu nas vielas de um morro no Rio de Janeiro, se torna uma das figuras mais influentes da comunidade, controlando negócios e dívidas, até mesmo de ricos desesperados. Charlotte Austin, herdeira de uma famíl...