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Não consegui escapar do enterro e nem das milhares de frases clichês que as pessoas nos dirigiram o tempo todo. A mídia também ficou no nosso pé. Bruno Pasquarelli era importante demais para que sua morte passasse em branco. As empresas farmacêuticas dele abasteciam bastante a economia do país e fazia muita gente do alto escalão encher os bolsos.

É lógico que a imprensa iria querer uma fatia desse espetáculo fúnebre.

E quando finalmente tudo acabou e conseguimos retornar para casa, os empregados já haviam limpado todos os rastros do velório. Os móveis estavam em seus devidos lugares e não tinha o menor sinal de que horas atrás tudo cheirava a morte e choro falso.

Agora só restava o luxo dos belos quadros pendurados nas paredes e os móveis e tapeçarias milionários que decoravam a mansão em tons neutros. Tudo muito acima de qualquer coisa. A sensação era de que ninguém de fato morava ali.

— Deveríamos todos descansarmos um pouco. — Mamãe comentou, olhando para Ruggero que estava com o olhar perdido, fitando a sala onde o caixão esteve.

Ele não havia aberto a boca em nenhum momento no enterro, nem mesmo quando o Padre sugeriu que ele falasse algo sobre o Bruno. O cara simplesmente ficou lá, impassível, escondido por trás dos óculos escuros.

Cheguei a pensar que estava tentando esconder a tristeza, mas quando os óculos foram retirados, seus olhos pareciam um poço infinito de indiferença. Como se sua alma não estivesse conectada com o corpo. Só um vazio preenchia o espírito daquele homem que não derramou uma lágrima pelo pai.

— Eu subo com a senhora, mãe. Depois irei dormir também. Foi um dia muito longo...

— Obrigada por ter ficado ao meu lado apesar do cansaço da viagem e tudo o mais. Obrigada mesmo, minha filha.

Observei suas mãos em volta das minhas e depois a olhei nos olhos, tentando sorrir.

— Vamos? Vou deixá-la no quarto antes de me deitar.

— Vamos, sim. — Falou, mas logo recuou um passo. — Ruggero, você não vem? Acho que você também precisa de uma pausa de tudo.

— Não estou com sono, Carolina.

— Já faz três dias que não pregamos os olhos. Por favor, descanse um pouco.

A contragosto olhei para ele, mas Ruggero se mantinha no mesmo lugar, ainda fitando a sala, como se o mundo entorno fosse só um borrão sem importância.

— Talvez ele precise de um tempo. — Sussurrei para a mamãe tentando amenizar as coisas.

Ela assentiu um tanto relutante e se apoiou em mim enquanto subia os degraus.

Tentei não pensar nas palavras esquisitas que Ruggero me dirigiu quando sugeriu que eu deveria ter ficado no colégio de freiras. Talvez o cara só estivesse descompensado por tudo o que aconteceu. Não era possível que ele me detestasse sem nem me conhecer.

A não ser que ele fosse maluco — algo que eu não duvidava.

— Mamãe, posso fazer uma pergunta?

— O que houve?

Ela abriu a porta do primeiro quarto que havia no corredor, mas não entrou, apenas se virou para mim, aguardando minha resposta.

Ponderei um pouco, escolhendo as melhores palavras.

— É que eu... eu ainda não entendi o que aconteceu com o Bruno. Foi um mal súbito ou...

— Ele era um homem muito importante... — Começou; desviando os olhos para o lenço que tinha nas mãos. Seus lábios tremiam enquanto falava. — Ter tanto dinheiro assim pode ser uma benção ou uma maldição. Há pessoas terríveis por aí que querem o que você tem a qualquer custo. E... essas pessoas não se importam com nada.

Quebre As RegrasOnde histórias criam vida. Descubra agora