Um novo ciclo

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Um novo ciclo

Pricila Elspeth

A noite estava tranquila, os grilos cricrilavam e as corujas guinchavam preenchendo a escuridão com uma harmônica nota quase sobrenatural. O quarto era grande e arejado, o som de algumas bolotas se desprendendo dos galhos, caindo e rolando pelo telhado incomodava a garota e a mantinha acordada por muitas horas, porém, ficar acordada sozinha não era nada que ela apreciava.

Rolou para o lado e acendeu o abajur. Quando olhou para a moça deitada ao seu lado, a viu franzir a testa e virar-se para o outro lado. Encostou-se ao seu corpo quentinho e acariciou seu rosto, inevitavelmente a outra despertou.

— Não consegue dormir, né?

— Não. Como você consegue?

— Cresci aqui — respondeu Morgana virando-se para a namorada. — Quer tomar um chá?

A garota aceitou. Levantaram e cruzaram o corredor onde dormiam três enormes cadelas, tão serenas quanto bebês dormitando. Ao chegarem à cozinha Morgana colocou água para ferver e puxou uma cadeira, Ofélia já estava sentada abrindo a lata de biscoitos.

Ofélia mordiscou um biscoito e elogiou o sabor marcante de laranja com canela, Morgana meneou com a cabeça e inclinando-a em direção ao peito e fixou o olhar na mesa.

— Está tudo bem Mô?

— Está. É que... — Morgana encarou Ofélia e soltou um risinho com o canto da boca. — Essas coisas lembram muito minha avó.

Ofélia esticou os braços sobre a mesa, segurou delicadamente as mãos da moça, inclinou o rosto e desculpou-se por reavivar memórias dolorosas, o silêncio perdurou por alguns segundos.

— Não precisa se desculpar. Sinto falta dela e das coisas que ela fazia. Depois que, bem, ela se foi, minha mãe não celebrou mais nada.

Ofélia comprimiu os lábios e apertou gentilmente as mãos da namorada, o apito da chaleira cortou o momento. Morgana preparou as canecas de chá e serviu com seu jeito meigo e doce.

— Estava pensando... — declarou Ofélia com um sorriso malicioso. — E se você celebrasse?

— Não sei se seria uma boa ideia. Minha mãe ainda é a mais velha, a matriarca, não quero usurpar seu papel sagrado.

— Tá. Olha só... cê disse que o último sabbat que se lembra de ter celebrado foi Yule, certo? — Morgana concordou com a cabeça antes de levar a caneca aos lábios. — Então. Se liga! No outono e no inverno você não se prepara para o grande nascimento, cultiva a terra e planta a grande semente, a qual é o deus sol, joga fora o que não te serve e tal?

— É mais ou menos isso.

— Daqui a uma semana é o equinócio de primavera. Você pode celebrar o nascimento de tudo aquilo que sua vó e sua mãe plantaram, cultivaram e protegeram... celebrar a sua ascensão, saca o que tô dizendo? Você já passou por Mabon e Yule, agora chegou a primavera baby.

Morgana sorriu e jogou os cabelos para trás das orelhas, enlaçou a caneca com as mãos e balançou a cabeça afirmativamente, depois encarou a moça sorridente e perguntou:

— Você me ajuda preparar tudo?

— Mas é óbvio, né!?

***

A porta abriu de mansinho e Cibele caminhou nas pontas dos pés até a cabeceira da cama, ajoelhou-se e observou as garotas dormindo, sorriu e colocou sobre o móvel ao lado, um envelope e saiu como se fosse uma sombra.

Memórias de uma BruxaOnde histórias criam vida. Descubra agora