A dança do Sol
Pricila Elspeth
Ainda estava escuro quando elas começaram a subir a trilha. As árvores de troncos largos, cascas grossas e copas largas cobriam grande parte do céu, no entanto, esporadicamente, a menina espiava por entre as falhas das copas e avistava as estrelas empalidecendo paulatinamente.
Conforme subiam o morro, a menina colocava em prática suas orações em homenagem à Deusa e suas práticas de respeito e observação da natureza. Sentia o cheiro proveniente da umidade florestal e sorria solitária ao ouvir estalos e farfalhos vindos do outro lado dos arbustos, sabia que não estavam sozinhas, mas estavam seguras.
Quando chegaram ao topo do morro, a mãe estendeu um tecido preto no chão e colocou sobre ele algumas pedras e cristais, uma garrafa com água e sentou-se ao lado da mulher idosa, que olhava o horizonte com indescritível calma.
A menina tinha pressa, queria ver o Sol nascer, correr pelo céu e esconder-se no horizonte, o mais rápido possível. Movia os pezinhos sobre a grama e caminhava de um lado para o outro, vez ou outra, consultava a abóbada celeste que clareava a cada minuto.
Os primeiros raios solares surgiram no horizonte. A velha suspirou e pousou ambas as mãos sobre o peito, a mulher a abraçou e encostou a cabeça em seu ombro, e assim permaneceram por alguns minutos. A criança encarava as esparsas nuvens mudando de cor conforme o astro-rei subia em direção ao céu.
Depois de algum tempo a menina sentou-se ao lado de sua mãe e a viu fitar o Sol com divina contemplação. Ainda não entendia o que tinha de tão mágico no Sol, que nascia todos os dias da mesma forma e desaparecia igualmente todo início de noite.
"Por que estamos aqui?" Perguntou a criança. A mãe acariciou-lhe a cabeça e a colocou em seu colo, como sempre fazia quando iam conversar.
"Hoje é um dia muito importante. O Sol permanece mais tempo no céu que a Lua. É um marco valioso para o mundo e para os seres humanos, e principalmente para nós bruxas."
"Por quê?" A menina olhou para cima e deparou-se com o olhar terno da mãe, observando-a como se a pequena fosse algum tipo de joia rara ou uma espécie de milagre. Desviou o olhar quando ouviu a avó tossir e sorrir ao mesmo tempo.
"É uma história antiga. Quer ouvir?" A menina assentiu com a cabeça e acomodou-se no colo de modo que pudesse olhar diretamente para a velha.
"Há muito tempo, as pessoas viviam em vilarejos e casebres, levavam uma vida simples, usufruíam dos frutos da Terra e a veneravam com profunda devoção. O mundo possuía menos conflitos, menos guerras... Tudo estava equilibrado. Bem, nem tudo."
A velha fez uma pausa e respirou profundamente treze vezes enquanto louvava o Sol com palavras de adoração. A menina observava pacientemente, mas estava curiosa a respeito da história. A avó terminou seu pequeno rito e após tomar um gole d'água energizada pelo Deus Sol, prosseguiu.
"Naquela época, o Sol não brilhava como hoje. Ele tinha uma trajetória e uma marcação de tempo própria. Ele era jovem e arrogante, ainda não sabia governar, não sabia dividir o espaço com outras forças universais. Então, sempre que se frustrava, ele desaparecia sem a menor indicação prévia e deixava a Deusa e seus filhos no escuro, no frio e vulneráveis aos perigos das trevas."
A menina ouviu um arbusto farfalhar e sobressaltou do colo da mãe com os olhos arregalados e investigando ao redor. A mãe gentilmente pegou sua mão e a puxou para perto de si dizendo:
"Deixe-os! Eles estão aqui pelo mesmo motivo que nós." A menina concordou e a avó continuou com a história.
"Toda vez que o Deus ia embora, o que era muito frequente, o mundo perecia. Os maus espíritos atacavam as pessoas e as criaturas mágicas, espalhando caos e destruição sobre a face da Deusa. A terra ficava infértil, a água congelava e os ventos frios cristalizavam tudo o que tocavam, eram épocas de desespero, insegurança e morte. Aquela situação era conhecida através das eras, geração após geração se preparava para enfrentar o inverno implacável dominado pelas trevas, no entanto, certa vez, num pequeno vilarejo no meio das montanhas escocesas, nasceu uma garota chamada Elspeth que mudaria essa situação. Ela, como todas as crianças, temia a noite longa e o frio implacável, mas não entendia a inércia de seu povo e não concordava com as explicações e desculpas que eles davam.
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Memórias de uma Bruxa
Kısa HikayeTrês mulheres de diferentes gerações compartilham suas vidas e momentos intensos de religiosidade e filosofias.