15.0 - matar a sede na saliva

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"Se por te beijar tivesse que ir depois para o inferno, eu faria isso. Assim poderei me gabar aos demônios de ter estado no paraíso sem nunca entrar."
- Atribuída a William Shakespeare

Diego sempre gostou muito de ler.

Era artista, artistas tem afinidade com as palavras. Seja as lendo, escrevendo, falando...cantando. Decifrando ou construindo.

Artista que é artista entende a vida através da primeira comunicação humana, a palavra.

Palavra compreensível, entendivel, confusa, embolada. Mas, de toda forma, palavra. Jogada ao vento como realidades bagunçadas no espaço-tempo, que podem ou não ser tangíveis.

Nessas ventanias, a palavra de muitos livros fez o artista que ele era acreditar e idealizar mil formas de amor.

Qual seria a face do amor?

Como ele chegaria?

Teria olhos azuis, verdes, castanhos?
Pretos.

O amor seria baixo? Frágil?
Ou, então, bruto? Grande?

Falaria manso?

Teria voz de preguiça soando por seus ouvidos durante as manhãs?

Porém, o mais importante: Diego saberia reconhecer o amor quando ele chegasse?

Saberia.

No fundo, saberia. O artista sempre sabe.
Sabe antes de todos, antes do mundo girar numa nova estação que traria o florescer do amor que ele já sabia.
Pelo menos, era isso que pensava. Foi o que aprendeu com as palavras dos livros que leu, a personagem principal sempre sabia que o amor era amor antes mesmo de saber. Sentia.

No frio da barriga, no sorriso bobo, na vontade de estar perto, na ansiedade por um encontro.

Ele esperava sentir tudo isso e mais um pouco, queria ter certeza de que estava em face do amor quando se entregasse a ele de corpo e alma. Quando mergulhasse no abismo sem fim em direção a braços alheios, morrendo afogado no sentimento.

Mas a vida atropela o pensamento e o desejo, e tudo que um dia sonhou sobre o amor foi dilacerado na primeira entrega do corpo.

O amor se despediu, antes mesmo de cruzar a porta de entrada, em uma noite de sexta-feira. Era frio e o motel que seu primeiro cliente escolheu era dos piores. Barato, feio, desconfortável. O toque do homem em seu corpo deixou feridas em carne viva, eternas.

Doeu muito e demorou mais ainda.
Os minutos passavam devagar, o relógio não movia seus ponteiros.

Diego se martirizava por estar entregando o amor assim, de bandeja. Jogando-o fora em uma lata de lixo.

Se guardou para o amor e perdeu a virgindade com algo que não ele.

Colocou em sua cabeça que fez o necessário para sobreviver. Precisava do dinheiro, sua família precisava, e no desespero pouco importa a sujeira para arrumar a bagunça, o que vale é o resultado.

E o resultado vinha com adicionais de melancolia, nojo, mutilação, mas, também, contas pagas, remédios comprados. Era necessário.

Necessário que se vendesse e esquecesse do amor.

Mas a questão é que o amor parece nunca ter se esquecido dele.

Assim como Diego esperava reconhecer o amor, esse sentimento tão instintivo agia como se ainda o quisesse encontrar nessa vida: o amor o fazia preservar as partes que ainda podia guardar.

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