Eu era uma garota cega.
Nunca pude apreciar o mundo à minha volta, tampouco conhecer tudo o que tocava as mãos, sem ser pelas suas vibrações.
Neta de uma bruxa e filha de uma falecida feiticeira influente, estive em meio ao caos ritualístico a minha vida inteira.
Crescida em uma pequena vila abaixo das folhas de milhares de pinheiros, fui restringida ao que diziam sobre a natureza que abraçava a nossa região. Vários moradores negados em suas áreas migraram para a nossa, que acolhia todo e qualquer tipo de gente, desde mulheres divorciadas até fugitivos do falso poder de justiça da igreja — que assolou nossas redondezas por muitos anos.
Kyan Miller, o meu irmão, é o exemplo perfeito disso. Um garoto resgatado de uma pequena aldeia atacada por fanáticos religiosos a poucos quilômetros de onde moramos. As casas foram destruídas e o fogo tomou todos os cantos do pequeno vilarejo. Muitas pessoas morreram.
Meu irmão perdeu os pais no ataque feito pela Igreja, e minha avó, Abigail Miller, o adotou para a nossa família. Já eu, nem sequer cheguei a conhecer os meus pais. Minha avó dizia que minha mãe morreu durante o meu parto, e que o meu pai fugiu com a igreja quando me viu nascer. Para ele, eu era uma maldição, a ausência de cor em uma criança albina o assustava.
Desde quando estamos em 1500? Pensei que o mundo tivesse evoluído após tanto caos e caça às bruxas, mas nossos vilarejos pagãos ainda sofriam com os ataques secretos de padres e líderes religiosos locais.
Abigail disse que o meu pai compareceu uma única vez em nossa vila após o meu nascimento, e que reforçou o pensamento de que a minha cegueira era o castigo divino que caiu sobre mim pelos pecados de feitiçaria de nossa família.
Estava exausta de não poder enxergar o mundo com os meus olhos. Busquei por anos uma zona confortável para me instalar, mas foi em vão. A cegueira não era um castigo divino, mas soava igualmente absurdo.
Então, decidi que correria o risco em uma noite fria e desamparada. A nevasca tomava toda a extensão da floresta, sendo o principal motivo pelo qual os moradores não deixaram suas casas para realizar a pequena fogueira de todas as noites. Eu tinha o caminho livre.
Após pedir para Kyan ler e reler algumas páginas do grimório de nossa avó, ele o fez com muita hesitação. Meu irmão não era do tipo que gostava de participar dos rituais ou do mundo mágico em que vivíamos, pois a realidade não era tão linda comparada aos contos de fadas.
Esperei que todos fossem para as suas camas antes de cair na tentação ambiciosa que me consumia. A floresta me chamava mais uma vez. O desejo iminente que tomava os meus pensamentos sempre que descansava a cabeça sobre o travesseiro.
Aquele seria o exato momento da minha perdição.
☽†☾
— O que uma garotinha como você faz acordada uma hora dessas? — Uma voz grave e arrastada ecoou pela mata.
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ASTERPHOENIX
Romance‼️Esta história é um dark romance!‼️ Até onde a ambição e a curiosidade pode nos levar? Eu tinha tudo em mãos: os materiais, os ensinamentos, a antiguidade, o poder, a ingenuidade e a ânsia por enxergar o mundo fora das palavras dos outros. Para uma...