A chuva castigava a cidade como se fosse uma manifestação física do peso que Clara carregava em seu peito. Cada gota era como uma adaga fria, perfurando sua pele e se misturando ao calor da presença de Dante, que permanecia ao seu lado, silencioso, observador. Ele não precisava dizer nada; sua simples existência era o bastante para dominar o espaço entre eles.
Depois de sua entrega verbal no beco, Clara sentia que havia passado por uma linha invisível. O mundo parecia diferente agora, mais denso, mais sombrio. Cada respiração que ela dava parecia arrastada, como se o próprio ar estivesse contaminado pela essência de Dante. E, no entanto, ao invés de fugir, algo nela se deleitava naquela sensação de ser possuída, de ser puxada para algo que ela mal compreendia.
Eles caminhavam lado a lado, sem trocarem mais palavras, pelas ruas molhadas da cidade. Clara se perguntava para onde ele a estava levando, mas ao mesmo tempo, não tinha coragem de perguntar. Em parte, ela temia a resposta, e, em parte, queria descobrir sozinha. Ao lado dele, seu corpo oscilava entre o medo e o desejo. Era um equilíbrio precário, uma tensão que poderia explodir a qualquer momento.
Finalmente, Dante quebrou o silêncio, sua voz tão suave quanto ameaçadora.
+Você entende o que fez, Clara?-
Ela engoliu em seco, hesitando. Não tinha certeza se compreendia completamente, mas sabia que sua vida jamais seria a mesma. Sabia que, ao entregar-se a Dante, havia firmado um pacto invisível, algo mais profundo que qualquer contrato escrito em papel.
-Eu sei que estou em suas mãos agora-, respondeu ela, sua voz mais forte do que sentia por dentro.
Dante parou de repente, pegando-a de surpresa. Seus olhos fixaram-se nos dela com uma intensidade que a fez recuar instintivamente.
-Não. Não é tão simples assim. Você não está apenas em minhas mãos. Você se tornou uma parte de mim, e eu de você. Estamos ligados agora, Clara, em alma e em carne.-
Ela sentiu um calafrio subir pela espinha. Aquelas palavras eram como correntes invisíveis que a envolviam, apertando mais e mais, até que ela sentiu a respiração falhar.
-O que isso significa?- Sua voz saiu frágil, insegura, enquanto tentava absorver o peso de suas palavras.
Dante deu um passo à frente, seu olhar perfurando o dela.
-Significa que não há mais lugar para esconder-se. Significa que seus desejos e suas sombras são tão meus quanto seus. Você fez sua escolha e, agora, viverá com ela.-
Clara não sabia o que responder. Tudo parecia estar se movendo rápido demais. Sua mente girava, tentando encontrar um ponto de estabilidade. Ela sabia que havia mergulhado de cabeça em algo profundo e sombrio, mas não esperava que o impacto fosse tão imediato, tão devastador. Mesmo assim, havia uma parte dela que ansiava por aquilo, por aquele laço inquebrável com Dante, como se sua própria destruição fosse o único caminho para sentir-se viva de verdade.
-Para onde estamos indo?-Ela finalmente perguntou, tentando recuperar algum controle da situação.
Dante sorriu, um sorriso perigoso que revelava algo mais sinistro.
-Você verá.-
Ele a guiou por uma série de ruas cada vez mais desertas, até que finalmente pararam diante de um edifício antigo, com paredes de pedra cobertas de musgo e janelas empoeiradas. O lugar parecia abandonado, como se o tempo houvesse esquecido de levá-lo consigo. Havia uma aura pesada ao redor do local, algo que fez Clara estremecer.
Sem dizer mais nada, Dante abriu a porta de ferro enferrujada, que rangeu em protesto, e a empurrou para dentro. O interior estava mergulhado em penumbra, iluminado apenas por algumas velas espalhadas aqui e ali. O cheiro de incenso e algo metálico invadiu suas narinas, um aroma que a deixava tonta. Clara observou o ambiente, notando símbolos estranhos pintados nas paredes e nos pisos, símbolos que ela não conseguia reconhecer, mas que, de alguma forma, pareciam familiares.
-Este lugar… o que é isso?-ela perguntou, sua voz saindo trêmula.
-Um santuário,-Dante respondeu, sua voz ecoando pelo espaço.
-Meu santuário. E agora, seu também.-
O calor da presença de Dante parecia mais intenso ali dentro. Ele se movia pelo espaço com uma confiança casual, enquanto Clara mal conseguia processar o que estava vendo. Havia uma mesa no centro da sala, coberta por um pano negro, e em cima dela, um livro de capa de couro velho, fechado, com símbolos dourados gravados. Aquilo a fez sentir uma pressão no peito, como se sua própria alma estivesse sendo puxada para fora.
-Por que me trouxe aqui?- ela perguntou, tentando esconder o medo crescente que se insinuava dentro dela.
Dante se aproximou da mesa e passou os dedos levemente sobre o livro, como se estivesse acariciando algo precioso.
-Porque aqui é onde você começará a entender. Aqui é onde vai compreender o que realmente significa pertencer a mim.-
Clara deu um passo para trás, sentindo o pânico subir pela garganta.
-Eu… eu não sei se estou pronta para isso.-
Ele se virou para ela, com um olhar que era ao mesmo tempo cruel e compreensivo.
-Já passou do momento de estar pronta, Clara. Você já atravessou a linha. Não há mais volta.-
As palavras dele eram como um martelo, esmagando qualquer resistência que ela pudesse tentar construir. Parte dela queria correr, fugir daquele lugar, de Dante, de tudo que ele representava. Mas, mais uma vez, a atração para o abismo era irresistível.
Dante se aproximou, os olhos escuros fixos nos dela, e segurou sua mão com uma delicadeza que contrastava com a violência latente em sua presença. Ele a puxou até a mesa, onde o livro estava, e abriu o volume com um movimento fluido. As páginas estavam preenchidas com palavras e símbolos que Clara não conseguia ler, mas que, de alguma forma, pareciam sussurrar seu nome.
-Você entende o que é um pacto, Clara?-Dante perguntou, suas palavras flutuando pelo ar, carregadas de significados ocultos.
Ela balançou a cabeça, sem saber como responder. Ele sorriu novamente, mas dessa vez, havia algo mais suave, quase triste, naquele sorriso.
-Um pacto é mais do que uma promessa. É uma ligação eterna, algo que não pode ser quebrado. Você já aceitou a minha escuridão, e agora, precisamos selá-la.-
-Selar?-Clara repetiu, sua voz mal saindo, como se o peso de tudo estivesse esmagando-a por dentro.
Dante assentiu e virou-se para pegar uma pequena adaga que estava sobre a mesa. O metal brilhava com um tom prateado, refletindo a luz fraca das velas.
-Com sangue,-ele disse, segurando a lâmina de modo ameaçadoramente calmo.
-O pacto deve ser selado com sangue, para que o laço entre nós seja inquebrável.-
Clara olhou para a lâmina, o pânico subindo mais uma vez em sua garganta. Ela não sabia o que dizer, o que fazer. Seu corpo estava dividido entre a vontade de se entregar completamente e o instinto de sobrevivência que gritava para que fugisse.
Dante aproximou a lâmina de seu pulso e a pressionou contra sua pele, mas não com força suficiente para cortar.
-Tudo o que você precisa fazer é aceitar. Não haverá mais dor, Clara, só a verdade. A verdade sobre quem você realmente é. Sobre o que você realmente deseja.-
O olhar dele era hipnótico, e Clara sentiu seu corpo relaxar, como se estivesse cedendo àquela verdade. Ela estendeu o braço, oferecendo-o a Dante, e em um movimento rápido, ele cortou suavemente sua pele, fazendo uma pequena linha de sangue brotar.
Ela prendeu a respiração, esperando a dor, mas não houve nada além de uma sensação de alívio, como se aquele corte tivesse libertado algo dentro dela. O sangue escorreu pelo pulso, pingando no livro, nas páginas antigas e misteriosas.
Dante observou com satisfação, seus olhos brilhando com algo primal, algo que a fez tremer.
-Agora, estamos completos,- ele murmurou, sua voz reverberando pelo ambiente.
-Agora, você é verdadeiramente minha.-
E enquanto o sangue de Clara se misturava àquelas palavras e símbolos antigos, ela soube que ele estava certo. Não havia mais volta. Ela pertencia ao Diabo.
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She Cries For The Devil
ChickLitClara é uma mulher marcada por traumas e dores do passado, vivendo uma existência sombria e sem esperança. Quando ela cruza o caminho de Dante, um homem enigmático e sedutor que carrega consigo a própria essência da escuridão, sua vida muda drastica...