- Você vai me falar como descobriu? - A voz era firme,mas a postura vacilante. As mãos enroscadas no cardigan quadriculado branco e azul que ele usava,entregava o receio de abordar o assunto. O caminho do elevador até o carro de Ramiro foi silencioso,mas assim que o homem mais velho deu a partida,Kelvin começou a falar.
Ramiro quase entrelaçou a mão na dele,certo de que o gesto também apaziguaria o nervosismo que sentia. Ele tinha dúvidas se tinha agido corretamente em entregar o bilhete a Kelvin,sabia que o rapaz mais novo - porém infinitamente mais esperto - sacaria na hora o que ele quis dizer com a citação. Que não seria apenas um reforço do acordo que eles fizeram,mas algo mais.
Mas a vontade de protegê-lo foi maior. De garantir a Kelvin que,enquanto Ramiro estivesse ao seu lado,ele estaria a salvo. Que aquele crápula nunca mais colocaria as mãos nele.
O agente nem bem sabia a verdade,para ser sincero. Era um monte de desconfiança empilhada. Baseadas na certeza de que conhecia Kelvin bem demais e nem sabia como. Um beijo em um bar anos atrás e alguns bilhetes de frases de um autor famoso não eram garantias suficientes que aquele jovem ao seu lado era alguém íntimo.
Bom,agora era tarde demais. E ele era um homem de palavra. Se jurou a Kelvin não esconder nada dele,então assim o faria.
E foda-se essa merda toda de ética também. Essa pose de fazer tudo a seu alcance para manter as aparências de ser um homem bom estava o desgastando. Ele estava exausto.
E o que é politicamente correto a se fazer em um caso desses? Como agir quando você descobre que o cara que cumpre pena sob seus comandos - e que você nutre um tipo de sentimento que ainda não tem coragem de dar nome - passou por um trauma desse tamanho?
Ramiro agarrou a mão de Kelvin que quase perfurava o casaco e levou a boca. Depositou um beijo leve ali.
- A Petra descobriu uma suposta vítima. A denúncia foi feita,mas logo retirada. A mãe e a menina desapareceram e nunca mais falaram nada
- Menina? - Ramiro se viu no reflexo dos olhos assustados de Kelvin. - Quantos anos?
- Kevin…. - Hesitou em continuar pois temeu que aquele assunto fosse sensível demais para o garoto ao seu lado. Viu o lampejo de surpresa nos olhos de Kelvin com o apelido usado. - Tem certeza que quer continuar falando sobre esse caso? Talvez seja melhor eu e Petra fazermos essa parte da investigação sem tanta interferência sua.
A risada que Kelvin deu foi seca,fria.
- Eu não tô investigando o caso,Ramiro. Eu sou o caso. Você prometeu.
- Eu sei. Eu sei que prometi. Eu não tô querendo mentir ou omitir nada,só tô preocupado.
Talvez Kelvin tenha detectado a preocupação genuína de Ramiro,pois falou mais calmamente. Acarinhou a mão do motorista,e disse:
- Rams,você quer saber coisas que só eu sei. E vice-versa. Para esse carro,a gente entra no museu e conversa. O que você sentir que devo saber,por favor,me conta,tá?
Ramiro desconfiava levemente que Kelvin sabia o efeito que seus olhos pidões e gigantes,e sempre tão brilhantes,faziam consigo. Mais uma vez,cedeu as vontade do ruivo.
🚔 🎨
- No começo não era ruim. - Kelvin contava,mas não olhava diretamente para Ramiro. Observava os quadros pendurados como se nunca os tivesse visto de perto antes. Como se nunca tivesse entrado ali sozinho e furtado um deles. - Eu era tratado igual a um príncipe,acho que até era apaixonado por ele.
Ele diminuiu o ritmo e parou em frente a “Um Só”,de Tarsila. Passou uns bons minutos admirando-o,em silêncio,e Ramiro apenas ficou ali ao lado dele,aguardando. Sabia da paixão visceral de Kelvin por arte,se aquilo era realmente admiração ou só um jeito de protelar o assunto,a ele pouco importava. Faria tudo no tempo do rapaz.
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we have not touched the stars (nor are we forgiven)
FanficRamiro lembra com riqueza de detalhes tudo que aconteceu na noite em que viu Kelvin pela primeira vez.