Promessa de Dedinho

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Oi miseráveis! Tudo bem com vcs?


"Melhor acordar, porque você faz parte de algo muito maior"


Simone Biles está brincando de casinha com Rebeca Andrade.

E era tão surreal que a primeira reação de Simone foi procurar com os olhos pela janela mais próxima e se imaginar se jogando lá de cima. Ali estava ela, sentada no chão de um pequeno quarto, cercada de bonecas desgastadas e mobília de brinquedo e uma irritante Rebeca que não fazia esforço nenhum para conter o riso. Talvez o melhor a se fazer era jogar a brasileira lá de cima e alegar uma reação desesperada por um princípio de incêndio. À sua frente, Alice se movia apresentando suas bonecas e ajustando uma mesa imaginária para a "hora do chá".

Simone olhou ao redor, notando os detalhes daquele ambiente simples. O quarto de Alice era pequeno mas muito colorido com posters e desenhos colados na parede. Havia uma foto sobre a pequena estante próxima a cama da garotinha. Era de uma mulher com os mesmos traços de Alice, muito jovem. Simone não pode deixar de se perguntar o que aconteceu com ela para Alice ter vindo parar naquele lugar.

— Aqui está o chá, mamãe Rebeca, mamãe Simone! — Alice anunciou tirando Simone do seu devaneio. A menina segurava duas xícaras de plástico cor de rosa com um sorriso orgulhoso. Ela realmente iria trabalhar duro por aquilo que tanto queria: ser filha de Rebeca e Simone.

Rebeca riu e aceitou de bom grado o chá imaginário, fingindo que estava muito quente e mas bebendo um gole.

— Humm, está delicioso! Você é uma chef talentosa, Alice! Eu poderia beber este chá para sempre! — disse Rebeca, piscando para a menina que fez uma reverência engraçada mexendo os cabelos de uma lado para o outro.

- Eu sou demais, eu sei, eu sei!

- Convencida. Ela realmente parece sua filha, Simone. - Rebeca disse baixinho para que só Simone pudesse escutar.

Simone bufou. Ela odiava estar a mercê das provocações da brasileira por que não podia falar palavrões na frente de uma criança. Como diabos foi parar ali?

— Vamos lá, esposa, toma o seu chá — disse Rebeca, empurrando a xícara para Simone em mais uma provocação.

— Não começa! — Simone respondeu revirando os olhos irritada. Realmente Alice era a salvação de Rebeca.

— Não briguem, por favor! — Alice disse, fazendo um bico suplicante e com a voz chorosa. — Eu não gosto quando minhas mães brigam.

O tom suave da menina pegou Simone de surpresa. A irritação que sentia pelas provocações de Rebeca foi substituída por um peso no peito. Droga, era golpe baixíssimo.

— Não estamos brigando, Alice — Simone respondeu, a voz mais suave do que esperava. — É só... brincadeira. – Ela pegou a xícara e fingiu dar um gole no chá imaginário. – Humm, Rebeca está certa, está mesmo delicioso.

Alice agradeceu mas seu olhar ainda estava cheio de lágrimas

— Eu gosto muito de vocês... — ela começou se levantando e pegando uma boneca velha do chão. — Vocês são tão boas... Eu vi vocês nas Olimpíadas no ano passado. – A garotinha caminhou até a sua cama e pegou o porta retrato que estava sob a estante.

O coração de Simone apertou.

— Foi logo depois que eu vim pra cá — continuou Alice fazendo carinho na fotografia. — Esta é minha mãezinha, ela foi pro céu e então eu vim morar aqui. Eu estava triste por que me falaram que ela não vai mais voltar. Mas então vi vocês na TV e fiquei... feliz. – uma lágrima escorreu pelo rostinho de Alice mas o sorriso havia voltado aos seus lábios.

Simone sentiu um nó na garganta. Alice olhava para elas com uma mistura de admiração e carinho que deixava as ginastas sem palavras.

— Sua mãe... ela está no céu? — Simone perguntou, a voz baixa, sem saber como prosseguir aquela conversa.

Alice assentiu com a cabeça.

— Sim, mas eu sei que ela está me vendo. E quando eu vi vocês ganhando todas aquelas medalhas, eu senti que ela estava feliz por mim... Que ela queria que eu fosse feliz... igual a vocês quando estavam lá no alto sendo aplaudidas por todo mundo. Vocês me deixaram feliz.

Simone tentou disfarçar o quanto aquelas palavras a afetavam, mas falhou miseravelmente. Ela se levantou e foi se sentar ao lado de Alice. Para sua surpresa, Rebeca também fez o mesmo.

— Sua mãe era muito bonita. – Ela olhou para o porta retrato onde um mulher com os mesmos olhos amendoados de Alice sorria.- E você é muito forte, Alice — Simone disse, tentando conter a emoção.

Rebeca, sentindo a necessidade de aliviar o clima pesado e com um gesto rápido, fez cócegas na lateral de cintura de Simone que se contorceu e soltou uma risada escandalosa.

— Vai, Simone, toma logo o chá! — provocou Rebeca, rindo enquanto continuava a fazer cócegas em sua rival.

— Para, Rebeca! — Simone tentou resistir, mas não pôde deixar de rir ainda mais. Alice, vendo a cena, começou a rir também.

— Vocês são engraçadas! — disse Alice, quase chorando de rir.

Alice as observava com os olhos brilhando de felicidade, e quando a risada cessou a menina voltou sentar no chão com a boneca nos braços e as olhou com expectativa. Rebeca e Simone a seguiram e terminar de beber o seu chá imaginário.

— Vocês vão voltar pra me ver, né? — ela perguntou assim que a diretora do orfanato parou na porta de seu quarto. Alice sabia. Era hora de Rebeca e Simone irem embora.

As duas ginastas trocaram olhares.

— Claro que voltamos — respondeu Rebeca ainda incerta do que deveria falar para não ferir os sentimntos daquele menininha tão doce.

Alice era esperta e não se deu por satisfeita. Ela estendeu o dedinho, um gesto infantil de promessa que fez Simone suspirar. Era como se a menina soubesse que precisava de algo mais  do que apenas palavras.

— Promessa de dedinho — disse Alice com firmeza.

Rebeca riu baixo mas aceitou o gesto entrelaçando seu dedo mindinho com o de Alice.

— Ah, sim, você é uma menina cheia de regras, sabia? — disse Rebeca, olhando para Simone em seguida.

Simone hesitou por um momento. Não queria se comprometer mas também não queria quebrar o coração da garota. O que ela poderia fazer? Com um suspiro resignado, ela estendeu seu dedo e o entrelaçou com os Alice.

— Promessa de dedinho — Simone finalmente disse.

Alice deu um gritinho animado, batendo as mãos satisfeita.

— Agora vocês têm que voltar! — disse a menina, com uma confiança que só as crianças têm.

Rebeca e Simone não perceberam, mas com esta promessa estavam presas em algo maior do que imaginavam. Talvez isso não fosse algo tão ruim.

Mães de Menina (Rebiles)Onde histórias criam vida. Descubra agora