A Missão

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Chuva Noturna

Introdução

A queda, o impacto, o braço quebrado contra a força da rocha, a água entrando nos olhos e ouvidos, acho que tudo isso fez com que eu não desmaiasse por muito tempo. Foi tudo muito rápido; caímos do topo da árvore e entramos na rota da cachoeira, descendo em meio às pedras projetadas pelo trajeto cortante da parede rochosa. Em seguida, acertamos a água rasa e fomos castigados pelo fluxo pesado do rio, que nos arrastou para uma outra cachoeira, bem menor, porém com mais pedras esperando. Eu estava em estado de transe. Não sei se as balas dos mercenários Red Eyes tinham acertado algum órgão vital. Sei que tinha batido a cabeça antes mesmo da queda, ou uma pedra arremessada por um dos Gigantes teria passado de raspão pela minha cabeça. Não posso dizer com toda certeza, mas eu sei que estava meio dormindo e meio acordado durante a queda.


Minha mente criava alucinações e eu estava delirando. O fluxo de água branca parecia o céu recheado de nuvens, e as pedras pareciam espadas de cavaleiros medievais me acertando. Uma verdadeira loucura, já que essas duas coisas jamais poderiam se encontrar, ainda mais em uma situação de sobrevivência extrema em uma ilha cheia de Gigantes, Dinossauros e Mercenários, todos tentando me matar. E acho que quase conseguiram.


Eu parei, encerrei o meu tour no tobogã mortal da natureza em uma rocha pequena, um pouco acima da água, e então entrei em um leve sono. O sono das dores, mas essas mesmas dores logo me despertaram para a realidade. Tudo estava doendo, tudo, tudo estava terrível, e nenhuma alucinação poderia me tirar daquela ilha, que estava cheia de dor. Eu abri os olhos lentamente, pois estavam ardendo, e minha visão estava embaçada. Minhas narinas haviam se tornado piscinas para qualquer bicho microscópico infeliz que estivesse lá dentro. Elas estavam tão entupidas de água quanto eu. Pelo menos a limpeza nasal ajudaria a combater a minha rinite.


Engraçado? Não, claro que não.


Meu braço direito, doendo muito, estava quebrado. O outro tinha alguns cortes, assim como minhas pernas. Eu levei alguns segundos para me levantar, apenas para cair de novo na água. Entrei no fluxo violento do rio e não lutei contra ele. Meu plano era encontrar um galho de árvore perto da margem e então me segurar e sair da água. Poderia dar certo, se eu não me afogasse antes.


Alguns troncos pesados, arrancados das margens pela violência da água, seguiam no caminho comigo. Eu bati em alguns, que estavam submersos assim como eu, e depois acertei algo duro, pesado e forte, que piorou o estado do meu braço. Eu estava com os olhos abertos, mas em alguns momentos os fechava, porque a mistura de lama e água estava queimando as janelas da minha alma como se eu estivesse encarando a punição final antes do juízo. E entre o breu da ausência de luz e a punição ocular da água barrenta do fundo, que contrastava com o branco da superfície, eu pude ver a criatura que eu havia acertado.


Um deles, um dos monstros que eles chamavam de Dragões das Trevas, estava na água comigo, lutando para sair do fundo. Era um dos grandes, carnívoros, com dentes enormes, patas traseiras fortes e robustas. As dianteiras, nem tanto. Na superfície, na terra, fora da água, a nossa proximidade representaria um grande perigo para mim. Mas no fundo daquele rio traiçoeiro, éramos iguais; corríamos risco, enfrentávamos a morte, não como presa e predador, mas como réptil e homem, os dois iguais perante as possibilidades e perante as leis. Ou talvez não. Ele não conseguiria chegar à superfície, não conseguiria se segurar no galho de árvore mais perto da margem e não conseguiria sair dali. Ele com certeza morreria, em meio à lama e à agonia, assim como havia morrido alguns milênios atrás. Eu não queria acabar como ele, e meu plano se fortaleceu em meio à ameaça assustadora da morte lamacenta no rio. Eu segurei no galho de uma acácia caída à minha direita, perto do limite do curso de água. Ela estava quase solta, presa entre outras duas árvores caídas, cujas raízes se encontravam na superfície, frágeis, moribundas, quase entregues ao rio assassino.


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