Para os lobos, a ideia de estar sozinho é simplesmente inconcebível, uma vez que dependem uns dos outros para sobreviver, cada irmão tem seu devido papel, geralmente naquilo que fazem de melhor ou então, baseado em força, seja bruta ou mental. A convivência acaba se tornando rotina e consequentemente, acalenta os corações dos seres que estão apenas tentando sobreviver; se você é expulso de alguma alcateia ou matilha, então basta procurar outra, pois alguém vai precisar do seu dom na cozinha, tanto quanto você vai precisar de um amigo que saiba costurar, por exemplo. É uma relação de mutualismo natural que sem que percebam, acabam buscando.
No entanto, estar sozinho é diferente de ser sozinho, e essa ambiguidade é capaz de facilmente levar um ser a loucura, seja lupino ou não. Estados podem ser escolhidos e mudados assim que decidido, e claro, existem indivíduos que naturalmente preferem a paz e o sossego, o silêncio e a sensação de estarem sozinhos a agitação e barulho de quando compartilham grandes períodos de interação, mas sempre haverá, por mais que mínima, uma sensação de dor ou insatisfação que nos leva de volta para um amigo, um amante, ou um colo conhecido, um desejo de ser e estar pertencendo a um grupo, uma comunidade, e ajudar ou ser ajudado.
Ser sozinho, por sua vez, é algo que é dificilmente mutável. E se esse grupo, do qual você precisa tanto pertencer, não existir ou pior, não te quiser? O colo conhecido tiver simplesmente partido, o amigo ocupado e o amante seja inexistente? Há casos, por exemplo, de pessoas que vivem isoladas das demais e acabam sendo alvo de crimes: uma criança que vive em sua solidão, distante das outras, voltando para casa sozinha, em situação de vulnerabilidade, torna-se alvo fácil de pessoas mal-intencionadas, de criminosos ou então, daqueles que vivem cercados de pessoas, cônjuges, família, amigos, sociedade e mesmo assim sentem-se sozinhas, sem ter com quem falar ou se abrir, para serem compreendidos em suas tristezas e inseguranças, e consequentemente viram uma pequena bola de neve em suas próprias cabeças e coração.
Em princípio, a solidão absoluta não existe. Em princípio.
Aqueles mais solitários, criam personas e mitos, baseadas em suas próprias imagens, para evitarem a solidão. Na bíblia sagrada, Deus descreve que não seria bom que o homem vivesse sozinho, por isso cria para ele uma companhia. Na Antropogênese, o titã Prometeu criou, a partir do barro, o homem, pois se sentia vazio e solitário. Nas crenças ancestrais, Oxalá criou o homem e a mulher, para que não ficassem sozinhos, e Olorum lhes deu um sopro de vida. No xintoísmo, os deuses Izanagi e Izanami, tiveram dois filhos ao descerem do céu, e graças a isso eles eram imperfeitos, e não foram considerados deuses. Em praticamente toda escritura, os deuses sempre dão companhia para sua criação, pois mesmo eles, figuras divinas e poderosas, temem o vazio de estar sozinho na Terra.
Renjun sentia, mesmo que inconscientemente, que estava sozinho, para sempre.
Em um piscar de olhos, e sem entender muito como, ele estava de volta a cama nada confortável da enfermaria, com um alfa loiro o encarando de tão perto, que ele era capaz de sentir a respiração de Jaemin. Devagar, o enfermeiro levou a mão direita ao rosto do ômega, e puxou levemente suas pálpebras, passou os olhos ligeiramente e soltou-as, constatando que não havia nada de errado, ao menos não fisicamente, e também chegando a conclusão que nada tinha a ver com a pancada forte que ele havia levado na cabeça, cortesia de Jeno, na noite anterior. Seu cérebro devia ter desligado devido ao choque da informação, o que era compreensível, a julgar pela situação em que se encontrava, era informação demais para uma pessoa só assimilar em dois dias.
—E então, ele está bem? — Renjun só conseguiu desviar o olhar quando Jaemin se afastou levemente, reconhecendo a voz de Donghyuck e seu cheiro de mar, e se virou para o mesmo em seguida. O alfa com cheiro de cravos, por sua vez, apenas assentiu enquanto lavava suas mãos na bacia com água que havia ao lado. — Graças à mãe Lua!
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A Dádiva de ter dois lares
WerewolfRenjun sabia que invasão de território era considerado um crime grave e que, sendo o ômega que era, provavelmente ficaria preso e servindo para a alcateia que o pegou pelo resto da vida, isso se ao menos não fosse simplesmente morto em uma fogueira...