VERÔNICA
Desde que minha mãe morreu de COVID em 2020, tudo desmoronou. Eu assisti a nossa vida, que já era difícil, se transformar em algo quase insuportável. E então, para piorar tudo, meu pai não demorou nem seis meses para aparecer com a amante de anos. Eles estavam juntos há tanto tempo, era como se ela só estivesse esperando minha mãe morrer para ocupar o lugar dela. Fomos morar na casa dela, no meio da Compensa, saindo de Adrianópolis como quem desce uma ladeira íngreme sem freio.
Agora eu tinha que lidar com a presença constante de Patrícia, a mulher que passou a vida fazendo minha mãe sofrer em silêncio. O mais revoltante era que, além dela, eu ainda ganhei uma meia-irmã chamada Cristina. Ela tem 21 anos, mas age como uma garota inconsequente de dezesseis. Na real, parece até mais nova, às vezes até me sinto mais madura, mesmo eu tendo só dezessete.
— Verônica, tá pronta? — Cristina perguntou, já mexendo no celular, os dedos ágeis deslizando pela tela como se o mundo inteiro dependesse de suas mensagens.
Ela estava encostada na porta da sala, os olhos escondidos atrás dos grandes óculos de armação preta. O contraste do acessório com seu rosto pálido era gritante, e o aparelho nos dentes parecia destacar ainda mais seus lábios pintados de vermelho. Os cabelos pretos, alisados e cortados até os ombros, reluziam à luz da casa, e ela jogou as mechas para trás com uma impaciência típica, como se qualquer atraso fosse uma ofensa pessoal.
Eu a observei por um momento, sempre me perguntando como alguém conseguia ser tão diferente de mim. Cristina era o extremo oposto do que eu era ou do que eu queria ser. Magra a ponto de parecer frágil, ela usava um cropped minúsculo, cor de vinho, que mal cobria seus seios, e uma saia jeans curta demais, rasgada nos lados, deixando parte de suas coxas à mostra. Nos pés, saltos exageradamente altos. O conjunto gritava vulgaridade, e eu sabia que ela adorava. Cristina gostava de se exibir, de atrair olhares, de sexualizar a própria imagem, e, por mais que isso me incomodasse, não era meu lugar criticar. Mesmo assim, me sentia desconfortável ao seu lado em público.
— Pronta pra quê? — respondi, desanimada.
O dia tinha sido um porre e, sinceramente, eu não estava no clima para nada. A vontade de sair de casa era mínima, e a ideia de ser vista ao lado de Cristina, com aquela roupa, me deixava ainda mais desmotivada.
Cristina revirou os olhos, como se eu fosse a pessoa mais difícil do mundo.
— O cinema, você que sugeriu. Vamos logo antes que a sessão comece!
Suspirei, já esperando essa atitude. Ela sempre agia assim, como se tudo girasse ao redor dela. Mimada, impaciente, incapaz de lidar com críticas ou contratempos. Cristina tinha uma fala mansa, mas cada palavra carregava uma urgência irritante. Era como se o mundo tivesse que funcionar conforme o seu ritmo, e qualquer desvio disso era inaceitável.
Levantei do sofá, ajustando minha própria roupa: uma calça jeans e uma blusa simples, nada que chamasse atenção. Tinha me arrumado para o meu curso de inglês, mas a aula havia sido cancelada, porque a minha professora entrou em trabalho de parto antes do tempo previsto.
A ideia do cinema era mesmo dar uma distraída, especialmente depois de tudo o que tinha acontecido com o pai dela. Ele morreu tem uma semana, e eu achei que o mínimo que podia fazer era tirar ela de casa. Talvez o cinema ajudasse. Quem sabe a tela grande e um filme qualquer pudessem, pelo menos por duas horas, afastar a realidade sufocante que pairava sobre nós. Ou, no mínimo, dar um descanso para a minha mente cansada de lidar com Cristina e todas as suas exigências.
Peguei a minha bolsa e ao me aproximar da porta, ela já estava de braços cruzados, batendo o pé com impaciência. Era sempre assim. Cristina queria tudo no tempo dela, e se não fosse, fazia questão de me lembrar que eu era a "chata" que atrapalhava seus planos.