Capítulo 6

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VERÔNICA

A cabeça ainda latejava quando Gárgula parou na minha frente, os olhos escuros analisando cada detalhe do meu rosto. Eu mal conseguia respirar, o medo e a dor ainda rodopiando pelo meu corpo como uma tempestade. A voz dele, que antes parecia firme e controlada, agora carregava uma tensão evidente.

— Que porra você tá fazendo aqui, Verônica? — ele perguntou, sua voz soando mais como um rosnado do que uma simples pergunta.

Engoli em seco, tentando focar nele, mas tudo parecia embaçado, confuso. Meu corpo ainda tremia, e as palavras demoravam a se formar na minha cabeça. Eu não sabia o que dizer, não sabia como responder. As imagens dos homens me agredindo, as acusações que eu não entendia, tudo se misturava em um turbilhão de medo e desespero.

— Eu... eu não sei... — Minha voz saiu fraca, quase um sussurro. — Eles me pegaram em casa... Eu pensei que... — As palavras se embaralhavam, minha mente ainda lutando para acompanhar.

Gárgula passou a mão pelo rosto, frustrado. O olhar dele desviou para os caras ao redor, e a tensão no ar aumentou.

— Por que vocês fizeram isso com ela? — ele exigiu, virando-se para os homens que haviam me agredido. — Essa não é Cristina!

Sua voz era fria, controlada, mas eu podia sentir a raiva fervendo por baixo da superfície.

— A gente só tava seguindo ordens, chefe — um deles respondeu, a voz trêmula. — Disseram que ela tava passando informação pro pessoal do Pavão.

Senti um calafrio percorrer minha espinha. Informação? Eu? Isso não fazia o menor sentido.

— Eu não sei do que eles tão falando, Gárgula — falei, a voz quebrando. — Eu não conheço ninguém do Pavão, eu juro!

Gárgula me olhou por um momento, e eu vi algo mudar na expressão dele. Era como se ele estivesse juntando as peças de um quebra-cabeça invisível.

— E quem te entregou, então? Como é que esses filhos da puta chegaram em ti? — Ele se agachou mais perto, e eu podia sentir o calor dele, uma estranha segurança em meio ao caos.

Respirei fundo, tentando encontrar uma resposta que fizesse sentido, mas tudo o que eu conseguia pensar era no desespero da minha madrasta ao telefone, na forma como ela gritou para eu voltar para casa.

— Minha madrasta... Ela tava desesperada... — comecei, a voz hesitante. — Eu achei que era por causa do meu pai, que ele tava machucado, mas quando cheguei em casa, ele tava no chão, e eles me pegaram...

Gárgula estreitou os olhos, como se algo clicasse na mente dele. Eu podia ver o momento exato em que ele entendeu. A mandíbula dele se contraiu, e os punhos cerraram ao lado do corpo.

— Filha da puta... — ele murmurou, mais para si mesmo. Olhou de novo para os homens. — Ela entregou a guria pra salvar a Cristina, não foi?

Os homens trocaram olhares nervosos, sem saber se deviam responder. Gárgula se levantou, o corpo inteiro emanando uma tensão perigosa.

— Responde, porra! — ele gritou, e eu me encolhi com a intensidade da voz dele.

— A mulher que tava lá falou que a x9 tinha saído, mas ia voltar logo… a gente esperou e quando ela chegou, a gente trouxe ela pra cá — um dos caras respondeu, a voz baixa.

Eu senti como se o chão tivesse sumido debaixo de mim. O ar fugiu dos meus pulmões, e por um momento, pensei que fosse desmaiar. Minha própria madrasta me entregou para proteger a Cristina? O choque e a dor misturavam-se, me deixando tonta. Tudo o que eu consegui fazer foi olhar para Gárgula, o rosto dele ainda endurecido pela raiva.

— Eu vou te levar pra casa, Verônica — ele disse, a voz mais controlada agora, mas ainda cheia de fúria contida.

— Você não pode fazer isso — um dos homens interveio, hesitante. — O Caveira não vai gostar.

O nome dele, o pai de Gárgula, caiu como uma pedra no meio daquela tensão. Senti meu corpo inteiro endurecer. Sabia que aquele nome significava perigo, caos. Gárgula virou-se lentamente, o olhar mortal fixo no cara que falou.

— Quem é que manda aqui? Eu ou ele? — A pergunta saiu fria, perigosa.

Ninguém ousou responder. Eu podia sentir o medo irradiando dos homens ao redor, o poder de Gárgula entre eles era quase palpável. Ele me puxou para mais perto, me segurando como se estivesse me protegendo de algo invisível.

— Vamos sair daqui, Verônica — ele murmurou, mais baixo, os olhos ainda cheios de raiva. — Tu não devia nunca ter sido arrastada pra essa merda.

Eu não conseguia falar, só conseguia assentir, sentindo as lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Ele me ajudou a levantar, o braço forte ao redor dos meus ombros, me guiando pelo matagal. A dor no corpo era quase insuportável, mas a presença dele me dava forças. Mesmo com o medo, com a confusão, eu me sentia mais segura com ele ali.

Caminhamos pelo mato denso, os galhos arranhando minha pele, a escuridão nos cercando. O barulho dos grilos e dos passos de Gárgula eram os únicos sons que eu conseguia focar. Ele andava com determinação, como se já soubesse exatamente para onde estava indo.

Depois de alguns minutos que pareceram uma eternidade, chegamos a uma pequena clareira. A moto dele estava estacionada sob a luz da lua que escapava entre as copas das árvores. Gárgula subiu primeiro, os movimentos rápidos e precisos. Depois, estendeu a mão para mim, o olhar firme.

— Vem, eu te ajudo.

Com cuidado, me aproximei. Minhas mãos ainda tremiam, e ele pareceu perceber isso, me puxando gentilmente para subir na garupa. Sentei-me atrás dele, ainda tentando processar tudo o que tinha acontecido. Sentir a força do corpo dele, a segurança que ele exalava, era quase surreal depois do terror que eu havia passado.

— Segura firme — ele disse, ligando a moto.

Eu o abracei com força, sentindo o cheiro de perfume amadeirado misturado ao suor e ao medo que ainda me envolvia. Quando ele deu a partida, o ronco do motor vibrou através de mim, e o vento frio da noite começou a bater contra o meu rosto. Fechei os olhos, tentando me concentrar apenas na sensação de estar aparentemente segura, longe do pesadelo que havia sido aquele dia.

Enquanto a moto avançava pelo caminho sinuoso, o som dos pneus esmagando a terra era quase reconfortante. O medo ainda estava lá, mas de algum jeito, com Gárgula à frente, parecia menos sufocante. Não sabia o que ia acontecer depois, o que ele diria ao meu pai, ou como eu enfrentaria tudo aquilo, mas por agora, eu estava viva. E isso era mais do que eu esperava alguns minutos atrás.

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⏰ Última atualização: Nov 03 ⏰

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A RUÍNA DE UM TRAFICANTEOnde histórias criam vida. Descubra agora