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LIA ALENCAR
Ser uma leitora assídua de romances, principalmente se tratando do bom e velho enemies to lovers, tinha lá suas consequências. Após um determinado tempo e quantidade considerável de histórias consumidas, a ideia de viver um romance cão e gato se tornava cada vez mais atrativa, o que, cá entre nós, era no mínimo deplorável.
Propositalmente ou não, acabávamos criando o hábito de imaginar cenários fantasiosos, fruto das incontáveis histórias que conhecíamos e sonhávamos viver um dia, mesmo estando cientes da baixa (quase inexistente) possibilidade.
Essa era a parte difícil, separar a ficção da realidade e entender que, mesmo diante de alguma situação semelhante, existia uma linha tênue entre o que era aceitável (uma mera coincidência) e o que era contestável (beirando a utopia). Não importava se isso envolvesse um belo par de olhos azuis, ombros largos e alta estatura. Ou uma voz atraente, acompanhada de uma maneira de falar encantadora.
Toda essa junção era inútil, caso viesse acompanhada de uma completa falta de sutileza.
E, caso esteja suspeitando que essa descrição acima seja sobre meu momento atual, permita-me informar que acertou em cheio. Afinal, essa reflexão não surgiu do nada.
Para que você entenda melhor, eu estava diante do homem mais atraente que havia tido o prazer (ou não) de conhecer. E também o mais prepotente. Pasme: esse último adjetivo não me impediu de comparar nossa situação com os romances enemies to lovers que eu tanto lia.
Devia estar dissociando.
Miguel Castelli fora meu líder anos atrás, quando eu ainda fazia parte do grupo jovem. Era conhecido (e estranhamente respeitado) por sua rigidez e métodos de ensinamentos um tanto quanto inflexíveis e parecia não se importar muito com o que as pessoas pensavam a seu respeito.
Precisava admitir que não esperava reencontrá-lo depois de tanto tempo, principalmente nessas circunstâncias, onde eu era a atual líder dos jovens e teria que dividir a liderança com ele.
Seria cômico se não fosse trágico.
Aparentemente, todos (exceto por mim, é claro) já sabiam do que se tratava a reunião. Meu pai, que parecia certo quanto a sua decisão, encarava Miguel com a mais pura admiração nos olhos, como se sua presença aqui fosse indispensável.
Em contrapartida, Lucas, meu irmão gêmeo e melhor amigo de Miguel, comprimia os lábios, ciente das chances que tinha daquilo dar errado. Ele, mais do que ninguém, sabia da relação nada convencional que Miguel e eu tínhamos e a nítida falta de simpatia um pelo outro.
— Alguém tem alguma dúvida? — Perguntou meu pai, intercalando o olhar entre Miguel e eu. Ele também sabia das nossas questões e ainda assim decidiu nos colocar juntos. — E você, filha? Não falou nada durante a reunião inteira. Assim Miguel vai achar que não é bem-vindo.
Não foi nenhuma tarefa difícil ter sucesso ao forçar uma risada, visto que todos pareceram achar graça e suas risadas sobressaíram a minha, fazendo um ótimo papel em esconder o pior há-há-há que já emiti em toda a minha vida.
— Pelo contrário, ele é muito bem-vindo — afirmei, sentindo a bochecha doer pelo sorriso muito forçado. — É um ótimo líder.
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À segunda vista
RomansaPor causa de personalidades opostas e muitas divergências de opinião, Lia e Miguel nunca tiveram algum tipo de apreço pelo outro. Embora vivam sob os mesmos princípios e valores, a maneira como lidam pessoalmente com isso, seja no que diz respeito a...