QUINTO CAPÍTULO

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Num sonho, percebeu que estava num lugar frio e fechado. Sentiu a artificialidade do ar a sua volta, que vinha do ar condicionado bem ao lado de uma pequena janela de vidro. Aquele lugar parecia um laboratório científico. Em cima de uma mesa, várias gaiolas conectadas, que mais pareciam um labirinto e um rato branco enjaulado nelas. Sua mãe era a pesquisadora, vestida num avental.

Teve que se segurar para engolir o choro, mas daquela vez de alegria. Correu na direção de Aparecida e a abraçou. Parecia ser tudo tão real, a ponto dela sentir o abdômen da mãe ao abraçá-la firme. A mãe esboçou um sorriso.

“Pensei que nunca mais iria te ver.” passou um bom tempo segurando o torso da mãe, sem querer soltar por nada. Apenas soltou quando ela pediu que fizesse isso, para que observasse o experimento que fazia.

Dentro da gaiola haviam caminhos formados por telas. Numa extremidade, o animal; na outra, um botão. Na cabeça do rato, receptores colados com fios vermelhos e azuis os conectando. Quando Aparecida destrancou um mini-portão que bloqueava a passagem, o animal seguiu rumo ao botão, e, chegando lá, o apertou. Seus olhos se abriram, e ele se tremia de prazer, feito seu coração batesse forte numa taquicardia, e ele dava voltas pela mesa sem parar, até que retornou de volta à extremidade onde tinha começado, e a cientista abaixou o mini-portão. O rato estava preso novamente.

Aparecida não esboçava sinal de alegria em fazer aquilo, mas de misericórdia ou talvez pena. Dessa vez, ela pôs um mini-tapete no caminho entre o portão e o botão, antes de liberar a passagem. Então o rato correu desesperado, e, pisando no tapete, seus pelos se arrepiaram num choque, pois o tecido estava eletrizado. Enfim, atravessava o castigo do obstáculo e chegava à recompensa, e apertava o botão, e enlouquecia dentro daquela prisão.

Aparecida repetiu o experimento de novo, mas dessa vez teve de enfiar a mão dentro da gaiola e levar o rato ao ponto de partida a força, pois ele não iria até lá sozinho, caso ela não interferisse. Por uma surpresa, o rato aprendeu a levantar o portão sozinho, e pisar de propósito no tapete doloroso para apertar o botão, e apertar até que sua vida se limitasse a fazer aquilo.

“mas mãe, por que a senhora está fazendo isso com o pobre do bicho?” Valentina se preocupou com o experimento cruel.

“porque eu quero entender seu pai” respondeu.

Aparecida levantou a gaiola da mesa, e deixou o rato mais livre do que ele jamais esteve, mas ainda assim o animal preferiu continuar ao lado do botão, e dessa vez apresentava uma taquicardia, mas não por prazer, e sim por medo.

Por piedade para com o bicho, Valentina imaginou fazer algo que acabasse com seu sofrimento. Aproveitou que o rato paralisou e arrancou das patas dele o maldito objeto, para arremessá-lo contra a parede do laboratório e espatifá-lo em pedaços.

Mas a cobaia estremeceu de angústia e pode ver a mesma loucura nos seus olhos que tinha visto no quadro de Goya. Ele correu até a beirada da mesa e começou a bater com a cabeça na quina, e nisso a cientista teve que intervir e agarrá-lo, para evitar que ele se auto-destruísse. Depois amarrou-lhe numa camisa de força, pois era o único meio de impedir que ele pusesse um fim à própria vida.

“eu pensei que tinha ajudado ele…” demonstrou um sinal de aflição.

“ninguém pode ajudar quem não aceita receber ajuda.” concluiu. “o máximo que se pode fazer é dar o caminho, mas só o necessitado é quem pode seguí-lo. Ninguém consegue trocar de corpo com outra pessoa e andar por ela”.

Em seguida andaram pelo cômodo, e, embora nunca tivesse percebido, Fernando, um velho de cabelos brancos, longos e quebradiços, estava sentado na quina da parede, ao lado de uma porta que dava para uma sala escura. Fernando usava apenas um lençol cobrindo as partes íntimas, e era tão magro que dava para ver a marca da mandíbula nas laterais do rosto.

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