A Dúvida

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Pela manhã, enquanto tomava café, eu relembrava a conversa da noite anterior:

- Enzo, você está me pedindo para me envolver em algo que nem você sabe a dimensão.- argumentei, encarando o abajur.

- Eu sei. - Ele respondeu, tenso, passando nervosamente as mãos pelos cabelos. - Estou sendo sincero porque não sinto que posso confiar em mais ninguém. Sol perceberia imediatamente se eu começasse a me interessar pela vida dela de repente.

- Já pensou que...

- O ponto é que eu não estou conseguindo pensar, Luna. - Enzo riu, mas era um riso triste, quase desesperado. - O Mati é a única família que eu tenho, e quando se trata dele, eu perco a razão. Sei que você se importa de verdade com ele, o suficiente para considerar esse pedido maluco.

- Eu quero ajudar, Enzo. - suspirei profundamente. - Mas sinto que vocês dois estão escondendo coisas. Não só um do outro, mas de mim também. Não sei mais em quem confiar.Mati mal fala comigo ultimamente, e nunca o vi tão calado desde que o conheci.

-Swan é um homem admirável, - continuei- mas sinto que ele é do tipo que eu jamais conseguiria enganar. E você... - Ele me olhou fixamente, com aquela intensidade à qual eu começava a me acostumar. - Você é uma neblina, Enzo. Aparece, desaparece, me olha como se quisesse dizer mil coisas, mas raramente diz algo. Hoje foi a primeira vez que soube algo real sobre você.

- Você está certa, e eu não vou tentar te convencer do contrário. Eu não deveria te arrastar para isso. - Enzo levantou-se, desanimado, passando as mãos pelos cabelos antes de sair, sem dizer mais nada, visivelmente constrangido.

Acordei do devaneio quando Jana entrou na cozinha, rindo enquanto mexia no celular. Os últimos dias haviam sido tão caóticos que eu nem lembrava da última vez que perguntei sobre a vida dela.

- Quem é o sortudo? - perguntei, curiosa. Jana riu, meio sem graça.

- Não é nada... Só um cara do trabalho. - Ela coçou a cabeça, envergonhada. Jana nunca ficava sem graça.

- Jana... - coloquei o copo de café na pia. - Não te vejo sorrir feito boba há anos. Vamos lá, me conta tudo.

- Não tem nada pra contar... - Jesus! Ela estava vermelha.- E esse rubor no rosto é por nada?

- Tá tão na cara assim? - Ela perguntou, repentinamente tensa. Há quanto tempo eles se conheciam? Eu não lembrava a última vez que realmente paramos para conversar. A última semana tinha sido um caos, imersa em problemas que nem eram meus.

- Sim. - Respondi, sorrindo. - E acho melhor você ir me contando tudo.

- Tá bom. Preciso da sua opinião como amiga...

- E não como terapeuta. - completei, revirando os olhos. - Relaxa, amiga, jamais vou te analisar contra sua vontade. - Ela fez uma careta. - Agora, desembucha.

Nos trinta minutos seguintes, Jana me contou tudo sobre o novo colega de trabalho. De como eles eram parecidos em tudo, e de como ele foi gentil ao convidá-la para jantar.

- Que roupa eu devo usar? - Ela me perguntou, distraída com o celular. Fiquei sem saber o que responder. Nunca tinha visto Jana soar preocupada com um cara antes. Ela tinha seus namoros, mas nunca demonstrava insegurança.

- Que foi? - perguntou ela, navegando pelo Pinterest.

- Nunca te vi tão animada para sair com alguém antes.

- Eu sempre fico animada.

E foi nesse momento que percebi: talvez Jana sempre tenha demonstrado, mas eu simplesmente nunca tinha prestado atenção. A culpa por tê-la esquecido nos últimos tempos fez com que eu olhasse para ela com novos olhos, não como um ponto seguro e previsível, mas como alguém cheia de questões, como eu. Eu nem sabia como estava o trabalho dela. Meu coração apertou de remorso.

PRETENDER - Enzo Vogrincic & Matias RecaltOnde histórias criam vida. Descubra agora