Reflexo na tempestade

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Malfoy me viu e, ao perceber que era eu, ficou ainda mais pálido. Ele me encarou com a varinha ainda firme na mão, mas parecia assustado. Abriu a boca, mas não disse nada. Ficamos assim por alguns segundos, como se estivéssemos esperando o primeiro movimento, o primeiro feitiço.

De repente, ele se aproximou da pia, largou a varinha e jogou água no rosto. Voltou a me encarar, seus olhos cinzas estavam turvos e opacos. As marcas arroxeadas sob seus olhos chamaram minha atenção; parecia que ele não tinha uma boa noite de sono há muito tempo. Sua camisa estava com dois botões abertos, revelando seu peito magro, com os ossos e veias aparentes.

Quebrei o silêncio

— Malfoy? E-e você tá... bem?

Eu não sabia se receberia um feitiço na cara, uma resposta ríspida ou apenas o silêncio. Ele abriu a boca, ainda sem me encarar, olhando para o próprio reflexo no espelho. Depois, virou-se para mim e disse:

— Você sabia que vamos ter que dividir a barraca, né?

Eu olho para ele, me viro, me apoio na pia ainda segurando a varinha e me certifico de cada passo dele. Abro a boca-É, eu acabei sabendo disso, sim. Para nossa sorte, para variar-Ele me encara, dá um sorriso de canto meio irônico e, após, sobe na pia, sentando no granito gelado. O barulho da água pingando na pia ecoa por todo o banheiro. Percebo que ele colocou a varinha de lado no canto da pia, se ajeita e senta com os joelhos entrelaçados. Parece que ele não está dando a mínima por eu estar lá; parece não se afetar. Me pergunto mentalmente se ele está bêbado ou maluco. Lembro-me da trégua que estava pensando. Reunindo o resto de coragem que havia no meu corpo, digo -É, eu sei que não nos damos bem e, por conta da guerra, não deveríamos andar juntos, mas, sinceramente, Malfoy, eu não estou com paciência nenhuma para qualquer brincadeira de mau gosto ou para a sua arrogância, não agora, não neste momento. E, se por acaso teremos que passar sei lá quanto tempo juntos, pensei em fazermos uma trégua, sem Voldemort, sem piadas, sem feitiços, só até tudo isso acabar. Eu podia muito bem falar para todo mundo o estado em que te vi aqui, então eu espero muito que você colabore.-

Malfoy suspirou, ainda sem me encarar completamente. Ele se afastou da pia e se sentou no chão, encostado na parede fria do banheiro. A imagem dele ali, tão diferente do garoto arrogante que eu conhecia, mexia comigo de uma forma estranha. Ele me olhou, ainda com a sua visão turva e de certa forma mórbida.

-Tanto faz, Potter. Sinceramente, nessa altura do campeonato, eu não ligo. Vá em frente, conte para todos que eu estava... enfim, você entendeu. Mas sobre a trégua, fico de certa forma aliviado que você veio falar comigo sobre isso. Não estou nem um pouco feliz com essa história, mas eu concordo. Com tanta coisa acontecendo, sinceramente, não tenho paciência para ficar com briguinhas agora-

Ele termina de falar e encara o próprio braço, mas não diz mais nada. Eu sinto meu estômago revirar. Ficar tão perto de Malfoy durante esse período da guerra? Ainda não sabia se podia confiar nele, ainda mais agora que sabia sobre a Marca Negra. E, ao mesmo tempo, havia algo naquele momento que me fazia hesitar. Ele parecia tão... derrotado. Não era o Malfoy que eu sempre vi, cheio de soberba e orgulho. Eu deveria estar com raiva, mas, estranhamente, me senti apenas... curioso.

Tomo o resto de coragem que há em mim e pergunto -Por que você está aqui? E não me venha com alguma desculpinha boba. O que você estava fazendo aqui, sozinho? E com Murta?-

Ele ergueu os olhos para mim e, pela primeira vez, notei algo diferente em seu olhar. Não havia raiva, apenas cansaço.

-Você realmente quer saber, Potter?-Sua voz estava baixa, quase num sussurro e levemente rouca. — "Talvez nem eu saiba mais. Tudo isso..." — Ele gesticulou vagamente, como se estivesse se referindo à guerra, à Marca em seu braço, ao mundo ao redor, ao nosso mundo — "Não era o que eu imaginava. Nada disso-

Eu poderia ter rido. Poderia ter dito que ele merecia tudo o que estava acontecendo, que fez sua escolha ao seguir o caminho da família. Mas, por alguma razão, as palavras ficaram presas na minha garganta. Em vez disso, me aproximei lentamente e sentei no chão, a uma certa distância dele.

-E o que você imaginava, Malfoy? Que a sua família racista era incrível e que todos nós estávamos errados o tempo todo?-perguntei.

Ele olhou para mim, surpreso por eu não ter o atacado com palavras. Ficou em silêncio por um tempo e então falou:

-Que tudo seria mais simples. Que ser 'puro-sangue', ser Malfoy... resolveria tudo. Mas agora... agora tudo o que eu vejo é que estamos todos condenados. E eu, mais do que ninguém.— Ele termina de falar ainda com a voz baixa, como se não quisesse que aquilo saísse de dentro de sua cabeça de verdade. Ele passa as mãos nos fios loiros de sua cabeça, alinhando-os. Eles estão sem gel, claros e macios. Durante o momento, percebo que ele tem uma pinta perto do pescoço em forma de coração.

A confissão me pegou de surpresa. Ver Malfoy tão vulnerável, sem as máscaras que ele sempre usava, me fez perceber que ele não era só o vilão da minha história. Ele também era uma vítima, preso em algo muito maior do que ele podia controlar.

Virei para ele e olhei, olhei fundo nos olhos turvos e cinzas como se fossem um mar barulhento. A chuva que antes estava amena aumentou lá fora e, nesses milésimos, consegui ver uma confusão nos olhos dele. "Você não precisa estar condenado, Malfoy. Quem te disse que você está? Você fez as suas escolhas, mas nunca é tarde para mudar."

Ele riu amargamente, como se eu tivesse acabado de falar a coisa mais idiota de todos os tempos. Ele começa a falar sem nem virar para me olhar: "Potter, pare de ser ingênuo. Todos estamos condenados."

Ficamos em silêncio depois disso, apenas ouvindo o som distante da chuva lá fora. Por um momento, o peso da guerra, das alianças, das traições parecia se dissolver, deixando apenas dois garotos presos em um mundo que eles nunca escolheram de verdade.

Eu não sabia como seria a seguir. Dividir uma barraca com Malfoy? Talvez fosse o menor dos meus problemas. Mas, de algum jeito, naquela noite, senti que havia mais em jogo do que eu podia pensar. Quando me levantei para sair, Malfoy não disse nada. Apenas permaneceu lá, sentado, olhando para o chão, com a Marca ainda escondida sob a manga da camisa. E, por um breve instante, me perguntei se, talvez, nós dois estivéssemos mais parecidos do que eu jamais admitiria.

Amor no Ódio: A Dualidade do SentirOnde histórias criam vida. Descubra agora