𝙲𝚘𝚖𝚘 𝚎𝚞 𝚏𝚞𝚒 𝚌𝚘𝚛𝚝𝚎𝚓𝚊𝚍𝚊
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— Mia! — digo para a gata assim que a vejo no meu quarto pela manhã.
Solto em qualquer canto a cesta cheia de roupas que estava carregando, e corro até onde ela está em minha cama. Me ajoelho no chão com tanta força que dói.
— Onde você esteve, menina? — A gata caminha até mim normalmente por cima dos lençóis, como se não tivesse feito o que fez e não diz nada.
Ouço os outros gatos entrarem na sala e a gata continua sem falar. Apenas me olha como se ela estivesse esperando algo de mim.
Eu realmente pensei que ela fosse dizer alguma coisa, qualquer coisa...
— Luz! — Minha mãe me chama.
— Estou indo! — eu respondo. Há muito tempo me livrei do meu sininho.
Os animais se atiçam em minhas pernas e eu me levanto com cuidado.
— O que foi, mamá? — Arregalo os olhos ao chegar na nossa sala de estar. Simplesmente Estevão sentado no nosso sofá.
— Estevão aqui veio te entregar o pagamento pelos reparos — minha mãe diz, alegre.
— Ah, sim! Mas ainda não terminei — sussurrei.
— Tudo bem. Só queria trazer logo. — Ele sorri para mim com gentileza e se levanta do sofá, passando a mão na cabeça, em seus curtos cabelos cacheados.
O rapaz se destaca aqui em casa como uma dor de pescoço. Ele é bem maior que os nossos móveis e sua estrutura quase atinge o teto.
— Está lá fora, hija.
— O quê? — sussurrei de novo.
— O que ele trouxe.
Sorrio fracamente e o acompanho para o lado de fora de casa. Quando ouço um mugido.
Ele me deu um bezerrinho.
Marronzinho com bolinhas brancas.
— Um agradecimento por todos os concertos que faz em minhas roupas, são excelentes. E soube o quanto você sempre quis um bezerro, sei que cuidará bem dela.
Não sei o que dizer. Não sei nem se posso dizer alguma coisa. Esse bebê não me conhece direito ainda, pode se descontrolar ao ouvir minha voz, até com os que já me conhecem pode ocorrer um descontrole.
— Muito obrigada... — falei o mais baixo possível para que apenas ele me ouvisse e me aproximei lentamente da bezerra.
— Não tem nome ainda, mas o nome da mãe dela é Pudim.
Será que ele gosta de mim? Ele poderia ter ganhado um bom dinheiro por essa bezerra, elas não são exatamente baratas, mas ele me deu em troca de alguns concertos simples. Odeio ver como vendem os pobres bebês para qualquer um que tenha o valor necessário, tratados como se fossem produtos, no entanto, sei que muitos não pensam como eu.
Sempre quis ter um, na verdade, sempre quis ter vários bezerrinhos, para tratá-los com todo o amor e carinho que merecem. Falo com os meus pais direto sobre isso, mas nunca surgiu uma oportunidade para eu ter um. Até agora.
Lucília, mas você não quer viver uma vida normal? Por que se encher com os bichos?
Já disse que é complicado. A minha condição complicou as coisas, porém, odeio ver os bichinhos sofrendo. Se eu puder cuidar deles, eu irei.
Me ajoelho e consigo fazer carinho no bebê.
— Eu te peço que aceite, sei o quão bem trata seus animais. Não gosto de vendê-los, pois não sei como quem comprou cuidará deles, mas dar para você? Para você, entrego com o maior prazer. E se a alimentação for um problema, eu posso ajudar trazendo ração.
— Não precisa se preocupar... — murmuro.
Nesse momento, essa bezerra já se tornou uma das minhas filhas, eu já a aceitei em meu coração e já a amo. Estevão não precisa se preocupar em me dar nada, eu me viro. Nem que eu tenha que trabalhar dez vezes mais do que já trabalho.
— Por favor, Lucília. Eu insisto. Te ajudo a cuidar dela. — Ele se ajoelha ao meu lado e sorri.
Será que ele gosta de mim?
Ele quer me ver mais vezes? Não, ele só quer cuidar dessa filhota tanto quanto eu.
— Tudo bem. — Sorrio de volta. A bezerra se aninha em mim.𖡼.𖤣𖥧𖡼.𖤣𖥧
Estevão me visitou todo dia a partir daquele dia, ele realmente gostava muito desse filhote.
E eu realmente gostava da presença dele, ainda mais agora que Mia desapareceu. Os dias têm sido difíceis.
— Você não precisava fazer isso. — Sorrio timidamente (foi uma das únicas vezes que falei com ele em semanas). Bolinhas se aninhou ainda mais em minha cabeça.
Estevão me deixa com tanta vontade de falar que quase dói.
— Claro que precisava. Você esqueceu essa linda bonequinha de pano no prado, eu tinha que trazer de volta para a dona. — Estevão sorri para mim também. — Bom, tenho que voltar para o trabalho, te vejo depois!
Então, ele se afasta da minha casa.
— Por que ele viria aqui apenas para deixar essa boneca? E ele nem mesmo foi até o celeiro ver a nossa criança...
— Tá falando o que aí, baixinho, hija? — Minha mãe chegou por trás de surpresa.
— Mamá! Você quase me mata de susto! — disse alarmada. Que bom que não havia nenhum novo animal por perto.
— Rum. Só queria saber por que você está falando do lado de fora da casa, mesmo que estivesse falando baixo, ainda é perigoso. Precisa tomar cuidado.
— Certo. Não era nada de mais. Estevão... — Ela me interrompeu, me puxando pelo braço para entrar em casa. Meu braço dolorido, eu grito e Bolinhas sai da minha cabeça com toda a movimentação.
— Evite falar do lado de fora. — Assim que entramos, ela fechou a porta com força e a trancou. — Diga.
Passo a mão pelo meu braço e sorrio.
— Estevão veio me entregar essa boneca que esqueci no campo. — Levanto o brinquedo que está na minha mão ruim para ela ver, é uma das menores que já fiz; por isso, deve ter sido tão fácil perdê-la. Sinto Bolinhas se colocando em meu ombro.
Então sinto os gatos se esfregando na minha saia.
— Ele é um querido, um excelente rapaz! — Minha mãe me olha com cumplicidade.
— É, né... — Fecho a cara.
— Como assim?
— Mamá, eu sei o que o seu olhar significa e ele não gosta de mim dessa forma.
Minha mãe arregala os olhos e franze a testa.
— Como não gosta de você? Estevão está te cortejando há semanas, desde que ele te deu aquela bezerra, a Cacau.
Agora, meus olhos se arregalaram tanto que pensei que fossem sacar para fora.
— Como?
— Ele veio falar comigo e com seu pai naquele dia, veio pedir permissão para te cortejar. Não parece que ele não gosta de você.
Estou sem palavras...
O Estevão?!
O Estevão?!
Aquele Estevão?!
Não sei nem o que pensar.
— O Estevão quer casar comigo? — Meus cantos de boca se ergueram tanto quanto humanamente possível.𖡼.𖤣𖥧𖡼.𖤣𖥧
Agora, sempre que Estevão vem, eu não consigo parar de sorrir ao olhar para ele.
— Você parece mais contente ultimamente. Está radiante — ele disse e eu senti meu rosto queimar.
Estávamos sentados no chão coberto de feno, alimentando Cacau, a bezerra, no pequeno celeiro que o próprio Estevão reformou.
Antes de o meu irmão falecer, nós tínhamos vários animais de grande porte, por isso temos esse celeiro. Só que depois, os animais foram vendidos e a construção ficou abandonada.
Estevão veio e trouxe vida ao celeiro, sozinho.
Minha mãe esteve conosco até agora pouco, porém meu pai precisou de ajuda. Ela geralmente age como minha tradutora para o Estevão, já que não falo muito na presença dele. Ainda mais tendo animais no recinto.
Sinto muita vontade de elogiar o rapaz de volta, só que Estevão ainda não sabe da minha condição.
— Lucília, eu... — Estevão nem pôde terminar de falar, por ser interrompido pelo som de um cachorrinho gritando.
Rapidamente me levantei e antes que eu pudesse chamar Cacau para me acompanhar, lembrei que Estevão estava comigo. Franzi a testa para ele.
— Pode ir, já, já termino de cuidar dela. — O rapaz faz carinho na cabeça da bezerra e eu saio correndo atrás do som de choro e gritos que ainda não cessaram. Bolinhas em algum momento saiu de cima da minha cabeça, mas não me preocupei, sei que ele voltará.
O barulho está vindo da parte de trás da casa e esses lamentos doem na alma.
Respiro fundo antes de ter que abrir a boca:
— Onde você está?! — Silêncio segue até que...
Sai de um tronco podre, um cachorrinho pouco maior que o meu punho.
— Tudo bem, neném? — Me agacho lentamente e ergo os braços para ele ou ela. Meu braço esquerdo lateja e eu ignoro.
Meu longo vestido azul já estava sujo e permanecerá sujo porque, no momento, não me importo com nada além de cuidar desse bebê.
— Isso. — Ele continua a vir até mim com passos vacilantes e eu começo a cantarolar.
Quero chamar a atenção desse filhote e fazê-lo se sentir seguro comigo, se há outros animais me ouvindo? Eu não sei, e nem ligo.
Mas até agora somente este cachorrinho está vindo atrás de mim. E Bolinhas, ele pousou na minha cabeça novamente.
— Muito bem! — Finalmente o peguei em meus braços e logo comecei a examiná-lo em busca de qualquer ferimento.
— Uau! — Estevão me espantou ao falar por trás de mim.
Ainda agachada, me virei devagar.
— Era seu? Não sabia que tinha um cachorro desse tamanho! — Ele se aproximou depressa e se agachou ao meu lado.
— Não, não era meu. Nunca o vi em toda a minha vida — eu disse tão baixo que estava quase cochichando.
— Os animais te amam muito, Lucília. É tão lindo, olhe para ele se aconchegando em você, é como se ele soubesse que você é uma boa pessoa. Sua companhia é calmante, quando ouvi sua voz cantarolando... — Ele arregalou os olhos e sorriu muito. — Foi desse jeito? Eu me sinto admirado sempre que escuto sua voz, e me senti muito encantado por você quando te ouvi cantarolar. Será que o cachorrinho também se sentiu assim? Foi mágico.
Analiso a situação:
Em algum momento, terei que contar para ele. Não posso viver me escondendo. E se for para ele me abandonar, que seja agora enquanto ainda não estou tão apegada.
— Sim, Estevão. Por isso eu não falo tanto. Os animais gostam da minha voz e são atraídos por ela. Qualquer coisa que eu diga chama a atenção deles. É uma condição que tenho — falei baixinho, no entanto, ele entendeu cada palavra. Arregalou os olhos ainda mais, porém continuou sorrindo.
— Eu sabia que você só poderia ser uma princesa ou algo assim. Chamar os animais falando e cantando é muito a sua cara.
Eu sorri muito com isso.
Depois, expliquei o mais detalhadamente que pude a minha condição e as coisas que vivi por causa dela (expliquei algumas coisas que aconteceram, não tudo), mas nada mudou. Ele não fugiu, nem zombou, nem qualquer coisa assim. Estevão parecia familiarizado com a minha condição e não disse nada que pudesse me ofender. Ele continuou vindo todos os dias e adotamos esse cachorrinho juntos. Descobrimos que era uma menina e botamos o nome Amora.
Parece que ele gosta realmente de mim.
Fomos procurar a Mia juntos depois disso.𖡼.𖤣𖥧𖡼.𖤣𖥧
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Minha amada noiva
FantasyEm uma terra distante e em uma época antiga, nasceu uma menina chamada Lucília, carinhosamente apelidada por sua mãe de Luz e intitulada pelo pai de Luci. O mais curioso sobre ela era que desde nova qualquer coisa que falava atraía a atenção de todo...