𝙲𝚊𝚙í𝚝𝚞𝚕𝚘 𝟾

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𝙿𝚘𝚛𝚚𝚞𝚎 𝚘 𝚗𝚘𝚒𝚟𝚘 𝚟𝚎𝚖

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  Eu sei que o impossível não importa, realmente não importa.
  Dias após encontrar o meu irmão, tudo que consigo pensar é em ajudar a Makeda. Não acredito que ela esteja condenada a ser um gato para sempre.
  Se eu falar para ela que acho que ela pode voltar a ser humana, ela discordará veemente e dirá que é besteira.
  Bom, por isso eu decidi não contar nada para ela.
  — Makeda, preciso conversar com você. — Trago ela até o meu quarto e a coloco sobre a minha cama.
  — O que seria dessa vez? Há mais alguma coisa no telhado que quer que eu busque?
  — Isso foi só uma vez! Olha, serei sincera com você...
  Me sento na cama ao lado dela.
  — Makeda, Makeda, Makeda. Ainda não sei ao certo como isso funciona, mas quero que volte para casa. Volte para casa, Makeda.
  Os olhos dela se arregalaram e eu sorri.
  Ela começou a hiperventilar e diante dos meus olhos vi uma mulher negra vestindo longos e bufantes trajes escuros de aparência luxuosa.
  — Era com essa roupa que você estava fugindo?
  Ela ignorou minha tentativa de piada e me deu um abraço apertado.
  — Lucília! Eu não acredito!
  — Eu acredito! Para mim só basta ter esse dom e chamar quem precisa de volta para casa, seria mesmo muito desperdício se eu só pudesse trazer o meu irmão de volta.
  Ela se afastou do abraço e pude vê-la chorando.
  — Já faz tanto tempo, eu não tinha mais esperanças. Lembra da história que o Estevão te contou? Sobre um reino distante que possuía uma princesa com um dom parecido com o seu? Era a minha irmã! Eu ia ser rainha e não queria isso, aí fugi em busca de mais poder. Fui amaldiçoada e consequentemente ela foi abençoada, na minha cabeça ela era a única que poderia me trazer de volta, e quando ela morreu, eu retornei a consciência, parei de apenas enxergar pelos olhos da gata e pude controlar suas ações. A partir de então pensei que não tinha mais saída. Porém, aqui estou eu!
  — Que bom que deu tudo certo. Você se arrependeu dos erros que cometeu e recebeu o seu perdão.
  — E agora não há nada em mim que já não era meu. Sinto que não posso mais colocar os animais para dormir e isso me alegra. Do que adianta ganhar todo o poder do mundo e me perder?
  Eu a abraço novamente.
  Meu irmão diz estar arrependido de fugir e tentar roubar, eu acredito nele, assim como acredito que Makeda se arrepende de tudo o que fez.
  Quem sou eu para não me alegrar com um irmão retornando para casa? Quem sou eu para desprezar aqueles que precisam de ajuda?
  "Eu não vim para chamar os bons, mas para chamar os pecadores, a fim de que se arrependam dos seus pecados." ‭‭Lucas‬ ‭5‬:‭32‬

 
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  Makeda retornou para o seu reino e eu fiquei aqui estudando para me tornar uma enfermeira por completo. Legal, não é?
  Costureira não é o que nasci para ser, nasci para cuidar dos outros. Tendo esse dom na voz e tudo, acalmo tanto as pessoas quanto os animais. E é disso que o mundo precisa, mais cuidadores e menos maltratadores.
  Estevão ainda não retornou, mas tudo bem, ele disse que ia retornar e eu resolvi confiar nele.
  — Como está se sentindo, velho? — pergunto ao meu tio enquanto ainda segurava sua perna enfaixada.
  Minha voz nunca foi tão útil, cantei ao mesmo tempo que coloquei o osso do tio Zé no lugar e ele não sentiu nada, nem uma dorzinha durante todo o processo.
  — Tô ótimo, magrela.
  Sorri para ele e mamãe entrou na hora.
  Estávamos em uma espécie de enfermaria improvisada que meu irmão construiu ao lado da nossa casa. É mais fácil cuidar de algumas pessoas aqui do que ficar indo de casa em casa. Após serem cuidadas, elas rapidamente vão embora para outra pessoa poder receber cuidados.
  — Como está a Maria do Rosário? — Mamá me entregou uma pomada e foi ajudar meu tio a se ajustar na cama para almoçar.
  — Estou bem — disse a senhorinha sentada na cama ao lado do meu tio.
  Ela escorregou na lama e lesionou o ombro.
  Depois de umas canções e várias massagens, já está novinha em folha.
  — Tome essa pomada, dona Rosa. Vai te ajudar se as dores voltarem. — Entrego a ela e a idosa se levanta.
  — Magrela, onde tá os passarinhos da sua cabeça?
  — Falei para eles esperarem lá fora, mas daqui a pouco tenho que voltar para todos os meus bichinhos — respondo ao meu tio.
  Infelizmente tenho que deixar meus filhos em casa quando venho para cá, algumas pessoas não os acham muito higiênicos.
  — Lucília, tem alguém com gripe. — Josué aparece do nada e eu dou um pulinho com susto. Vejo que minha mãe já está com tudo sob controle, ajudando meu tio a comer e sorrio para Josué.
  — Tá certo, já estou indo.
  Caminho para a outra pequena sala (a recepção) e vejo uma mulher sentada no sofá que antes era da nossa casa. Ela está tossindo bastante e eu rapidamente pego um xarope.
  — Olá, senhora...
  — Senhorita Cristine.
  — Certo, senhorita Cristine. É para tomar uma grande colherada disso e não se assuste se eu começar a cantar.
  Cristine é uma mulher aparentemente mais velha do que eu e muito bonita, noto meu irmão olhando para ela um pouco demais.
  Ela também parece olhar de volta.
  O que será que temos aqui?
  Procuro por uma colher e a encho com bastante líquido vermelho-escuro. É a cor favorita da minha mãe. Rosa é a minha cor preferida porque vermelho é a da minha mãe e branco era a cor favorita do meu pai. Percebo que Cristine está vestindo vermelho e branco, acho que gostaremos bastante dela.
  Canto uma canção de ninar infantil e ela bebe o xarope.
  Há outro quarto aqui, esse é dedicado às grávidas perto de terem bebê. Existem duas mulheres com alguns familiares, resolvi dar uma olhada nelas já que Josué está entretendo Cristine. Ele está gaguejando um pouco? Talvez, mas está bem animado falando sobre tipos de xarope e mel.
  Assim que chego perto da porta, ouço sussurros apressados.
  — Ele com certeza está...
  — É isso que acontece em...
  Não consigo ouvir tudo o que está sendo dito, porém, tenho uma ideia. Me aproximo até estar encostada na porta fechada.
  — Morto.
  — Por que ela simplesmente não segue em frente?
  — Lucília é uma coitada.
  — Ela está muito apegada ao noivo morto dela.
  — Pois ela tem que deixar esse apego, porque daqui a pouco ela já vai estar velha e não conseguirá um marido vivo.
  Não sei quem está falando o que, só sei que dói muito, muito mesmo. Está abafado, entretanto, posso escutar as coisas que eles estão dizendo, as paredes são feitas de tábuas finas, não sei se eles sabem disso.
  Só faz alguns meses que Estevão partiu e parou de mandar cartas, por que essas pessoas estão agindo como se já fizessem anos e anos? Eu só tenho dezoito, não estou desesperada para casar, ainda mais casar com outro, eu só quero o meu noivo.
  Essas pessoas não vão me fazer chorar.
  Adentro a sala e sorrio para as futuras mamães e quem mais estiver nesse quarto.
  — Como vão os bebês?
  Graças a Deus, nasceram dois meninos saudáveis.

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  É difícil quando te dizem que ele está morto, mas ele não está. Eu sei que ele vem.
  Faz anos que espero por ele, farei vinte e seis daqui a três semanas.
  Mas tudo bem, porque esperarei independente do tempo.
  Converso com a família dele, dizem que, mesmo depois de tudo, ainda possuem esperança. E acima de tudo, têm fé.
  Já passei da idade de casar, muitos dizem, mas se não for com ele, não quero casar com mais ninguém. Eu o amo.
  — Trouxe para você! — Makeda vem sempre me visitar, ela disse que se sente como minha tia ou algo assim, me viu crescer e não quer deixar de me ver mesmo voltando a ter alguns deveres reais.
  Ela não é a rainha como deveria ser, pois colocaram outro para assumir o cargo devido ao seu desaparecimento, mas ainda assim tem sangue real e isso vale muito.
  Dessa vez, ela trouxe um pacote tão grande que minha família e eu ficamos em choque.
  Estamos nós na sala da casa de minha mãe, olhando embasbacados para a quantidade de detalhes que há nessa peça de roupa. Josué é quem levanta o tecido, já que é pesado, e sorri para mim.
  Ele se casou com Cristine e juntos me deram dois sobrinhos lindos, a Rebeca e o Efraim.
  Josué e sua família moram juntos do ladinho da nossa casa.
  Rebeca está no colo da mãe por ser só um bebê e Efraim está agarrado à minha saia, ele ama ter os animais ao lado dele tanto quanto eu.
  Meus gatinhos e cachorros latem e miam aos meus pés e eu peço para se acalmarem.
  Todos estão aqui: Minha nova gatinha, Mimi, o gato João, o gato Lulu, Lila, Docinho, Flor, Ju, Tito, Céu, Amora e o cachorrinho Dudu. Alguns são mais velhinhos que outros, no entanto, todos são meus filhos.
  Ainda tenho um amor por galinhas e muitas moram no nosso galinheiro, são minhas filhas também, então nada de comer galinha por aqui, nada de comer animal nenhum.
  Cacau, a vaca, me observa da enorme janela que foi feita apenas para que ela possa colocar a cabeça para dentro de casa, eu amo tanto.
Bolinhas se aninha ainda mais em meu cabelo.
  — Que vestido lindo! Não tenho nem ocasião para usar!
  — Claro que tem. Ou melhor, terá! — Makeda parecia tão animada.
  A porta rangeu e eu me virei para o som.
  Estevão estava lá, barbudo e com um braço enfaixado.
  — Eu voltei, Luz.
  Ele nunca esteve tão lindo.
  Meu amado noivo voltou.

Fim ♡

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  "E Jesus terminou, dizendo: — Portanto, fiquem vigiando porque vocês não sabem qual será o dia e a hora." ‭‭Mateus‬ ‭25‬:‭13‬

Minha amada noivaOnde histórias criam vida. Descubra agora