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Freen Sarocha e Nam Ortara afundaram no assento da van delas, estacionada longe o
bastante da casa de Nam para que não pudessem ser vistas lá de dentro. Nam estava fumando. Ela havia parado de fumar pela quarta vez seis semanas antes.
— Oitenta libras por semana, garantido. E férias remuneradas. — Nam deu um grito.— Caramba! Quero muito encontrar a puta que deixou aquele brinco e dar uma surra nela por nos fazer perder nosso melhor trabalho.
— Vai ver ela não sabia que ele era casado.
— Ah, ela sabia. — Antes de conhecer Dean, Nam se relacionara por dois anos com
um homem que tinha não apenas uma, mas duas famílias do outro lado de Southampton. — Nenhum homem solteiro tem almofadas decorativas de cores combinando na cama.
— Neil Brewster tem — disse Freen.
— A coleção de música de Neil Brewster é sessenta, setenta por cento Judy Garland,
trinta por cento Pet Shop Boys.
Elas faziam faxina juntas todos os dias úteis havia quatro anos, desde a época em que o
Parque de Veraneio Beachfront era parte paraíso, parte canteiro de obras. Desde que os empresários do ramo imobiliário prometeram às famílias locais acesso à piscina e garantiram a todos que um grande empreendimento voltado para a classe A geraria benefícios para aquela
cidadezinha costeira em vez de sugar o que restava de sua vida. O nome desbotado, FAXINA Sarocha & Ortara, fora pintado com estêncil na lateral da van branca. Nam acrescentara embaixo: “MEIO SUJO? PODEMOS AJUDAR?”, até Freen salientar que, durante dois meses inteiros, metade das ligações que elas haviam recebido não tinha nada a ver com faxina. Praticamente todos os trabalhos delas agora eram no empreendimento imobiliário Beachfront. Quase ninguém na cidade tinha dinheiro — ou disposição — para contratar uma
faxineira, exceto os médicos, o advogado e um ou outro cliente ocasional, como a Sra.
Humphrey, cuja artrite a impedia de fazer ela mesma a limpeza. Por um lado, era um bom trabalho. Era possível ser autônoma, organizar o próprio horário e quase sempre escolher os clientes. A desvantagem, por incrível que parecesse, não eram os clientes nojentos (e sempre havia pelo menos um cliente nojento), nem o fato de que limpar a privada de alguém deixava a pessoa com a sensação de estar longe de onde planejara chegar. Freen não se incomodava em
tirar chumaços de cabelo do ralo dos outros nem com o fato de que, em sua maioria, as
pessoas que alugavam casas de veraneio pareciam se sentir na obrigação de passar uma semana vivendo como porcos. O que a desagradava era acabar descobrindo muito mais do que queria sobre a vida
alheia. Freen poderia contar sobre o hábito de compras secreto da Sra. Eldridge: as notas fiscais de sapatos de grife com as quais ela enchia a lixeira do banheiro, e as sacolas com roupas que nunca haviam sido usadas, mantidas no guarda-roupa ainda com as etiquetas. Ela poderia contar que Lena Thompson vinha tentando engravidar havia quatro anos, e fazia dois testes de
gravidez por mês (os boatos eram de que ela não tirava as calças). Poderia contar que o Sr. Mitchell, morador da mansão atrás da igreja, ganhava um salário de seis dígitos (ele deixava os contracheques na mesa do hall de entrada; Nam jurava que ele fazia isso de propósito) e que a filha dele fumava escondido no banheiro.
Se quisesse, Freen poderia nomear quais mulheres saíam com uma aparência imaculada — cabelo impecável, unhas feitas, levemente perfumadas com fragrâncias caras —, mas que não
achavam nada demais deixar calcinhas sujas à vista no chão. Ou quais adolescentes largavam toalhas duras que ela não se arriscaria a pegar sem uma
pinça. Havia os casais que dormiam em camas separadas todas as noites, as esposas repetindo com animação que andam tendo uma “quantidade incrível de visitas ultimamente” ao lhe pedirem que trocassem a roupa de cama do quarto de hóspedes, além dos banheiros que
requeriam uma máscara de gás e um alerta contra substâncias nocivas. E, então, de vez em quando, arranjava-se uma boa cliente como Lisa e chegava-se
para passar aspirador na casa dela e ia-se embora com um brinco de brilhante e uma carga completa de conhecimento que realmente não teria feito falta.
— Deve ser da minha filha, da última vez que ela veio aqui em casa — disse Lisa, a voz tremendo ligeiramente com o esforço enquanto segurava o brinco. — Ela tem um par igualzinho a esse.
— É claro — concordou Freen. — Deve ter sido chutado para dentro do quarto da senhora. Ou carregado pelo sapato de alguém. A gente sabia que seria alguma coisa assim. Desculpe. Se soubesse que não era seu, nunca a teria incomodado com isso.
E percebeu naquele mesmo instante, quando a Sra. Manoban se afastou dela, que aquilo seria o fim. As pessoas não agradecem por lhes trazer más notícias.
No fim da rua, uma criancinha com roupas acolchoadas caiu suavemente no chão como uma árvore abatida e após um breve silêncio começou a chorar. A mãe, com ambos os braços carregados de sacolas de compras perfeitamente equilibradas, ficou parada, olhando muda e consternada.
— Olhe, você ouviu o que ela disse na semana passada: Lisa Manoban se livraria da própria cabeleireira antes de se livrar de nós.
Nam fez a expressão que queria dizer que Freen poderia ver o lado bom de um
apocalipse nuclear.
— Antes de se livrar das “faxineiras”.
É diferente. Ela não vai ligar se somos nós ou o pessoal da Speedicleanz ou da Maids with Mops. — Nam balançou a cabeça. — Não. Para ela, de agora em diante, seremos sempre as faxineiras que sabem que o marido a trai. Isso importa para mulheres como Lisa. As aparências são tudo para elas, não são?
A mãe acomodou as sacolas no chão e parou para pegar a criança. Freen apoiou os pés descalços no painel e deixou o rosto pender nas mãos.
— Droga. Como vamos recuperar esse dinheiro, Nam? — Aquela casa era impecável. Era basicamente um trabalho de polimento duas vezes por semana.
Nam olhou pela janela.
— E ela sempre pagava na hora.
Freen não parava de olhar para o brinco de brilhante. Por que elas não fingiram que não o tinham visto? Na verdade, teria sido melhor se uma delas simplesmente o tivesse roubado.
— Tudo bem, então, ela vai cancelar nosso serviço. Vamos mudar de assunto, Nam. Não posso me dar ao luxo de chorar antes do meu expediente no pub.
— E aí, Billy ligou essa semana?
— Eu não quero mudar para esse assunto.
— Bem, ele ligou?
Freen suspirou.
— Sim.
— Ele disse por que não ligou na semana passada?
Nam empurrou os pés de Freen para longe do painel.
— Não. — Freen conseguia sentir o olhar dela. — E não, ele não mandou dinheiro algum.
— Ah, espere aí. Você tem que botar a justiça atrás dele. Não pode continuar tocando as coisas assim. Ele tem que mandar dinheiro para os filhos.
Aquela era uma discussão antiga.
— Ele… ele ainda não está bem — disse Freen. — Não posso pressioná-lo mais. Billy continua desempregado.
— Bem, agora você vai precisar desse dinheiro. Até arranjarmos outro serviço como o de Lisa Manoban. Como vai Heng?
— Fui à casa do Nop falar com a mãe dele.
— Está brincando. Aquela mulher me assusta. Ela disse que ia mandar ele deixar Heng em paz?
— Algo assim.
Nam manteve os olhos fixos em Freen e baixou um pouco o queixo.
— Ela me disse que se eu pusesse os pés mais uma vez na casa dela, me daria uma surra daquelas. Em mim e nos meus… o que ela falou mesmo? … em mim e nos meus “filhos anormais”. — Freen abaixou o espelho do carona e deu uma olhada no cabelo, puxando-o para trás num rabo de cavalo. — Ah, e depois me disse que o Nop querido dela não faria mal nem a uma mosca.
— Típico.
— Tudo bem. Eu estava com Fufly. E, bendito seja, ele fez um cocô enorme ao lado do Toyota deles, e, de alguma forma, me esqueci de que tinha uma sacola plástica no bolso.
Freen tornou a colocar os pés para cima.
Nam empurrou-os mais uma vez para baixo e limpou o painel com um pano úmido.
— Mas falando sério, Freen. Faz quanto tempo que Billy saiu de casa? Dois anos? Você é jovem. Não pode ficar esperando que ele dê um jeito na vida. Tem que tomar as rédeas de novo — disse Nam, fazendo uma careta.
— Tomar as rédeas de novo. Legal.
— Gabriel gosta de você. Poderia muito bem tomar as rédeas dele.
— Qualquer par comprovado de cromossomos X poderia tomar as rédeas de Gabriel.
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EU + VOCÊ
FanfictionHá dez anos, Freen Sarocha ficou grávida e largou a escola para se casar com Billy. Dois anos atrás, Billy saiu de casa e nunca mais voltou. Fazendo faxinas de manhã e trabalhando como garçonete em um pub à noite, Freen mal ganha o suficiente para s...