Becky

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Nita Lewis. Talvez não fosse a garota mais bonita, mas definitivamente foi a que
conquistou a maior nota no sistema de pontos instituído por Becky e Saint para avaliar, em todo o campus, as “Garotas com quem você daria uma sem ter que beber antes uma quarta cerveja”. Como se ela fosse olhar para algum dos dois.

Nita praticamente não notou a existência de Becky durante os três anos de faculdade, à exceção daquela vez em que chovia e ela estava no ponto de ônibus, portanto lhe pediu uma carona no Mini dela até o alojamento dos estudantes. A língua de Becky ficou tão presa enquanto Nita estava no banco do carona que ela mal conseguiu dizer uma palavra, a não ser um “sem problema” engasgado quando a deixou em seu destino. E aquelas duas palavras, de
alguma forma, conseguiram cobrir três oitavas. Ela se abaixou para tirar o saco de batata frita vazio da sola da bota, jogando-o delicadamente de volta no chão do carro antes de fechar a porta.

Se Becky estava apaixonada, Saint estava mais ainda. Seu amor o oprimia como um halter de desenho animado. Ele escrevia poesia, mandava flores anônimas no Dia dos Namorados, sorria para ela na fila do jantar e tentava não ficar com uma expressão arrasada quando Nita não notava. E depois que eles se formaram, montaram a própria empresa e desviaram
o foco das mulheres para o software — até o software virar a coisa em que eles de fato preferiam pensar —, Nita Lewis se transformou suavemente numa reminiscência da faculdade. “Ah…
Nita Lewis”, diziam um para o outro, os olhos distantes, como se pudessem vê-la
flutuando em câmera lenta acima da cabeça dos outros clientes no pub.
E então, há três meses, uns seis meses depois de Lara a deixar, levando com ela o
apartamento em Roma, metade do conteúdo da sua carteira de ações e o que restava do apetite de Becky para relacionamentos, Nita Lewis ficou sua amiga no Facebook. Ela havia morado
em Nova York por dois anos, mas estava voltando e queria retomar o contato com alguns dos velhos amigos da faculdade.

Será que ela se lembrava de Reena? E de Sam? Será que estava a fim de sair para beber alguma coisa?
Em seguida, Becky ficou envergonhada de não ter contado a Saint. O amigo estava ocupado com o upgrade do novo software, disse a si mesmo. Levara anos para tirar Nita da cabeça. Estava dando os primeiros passos para sair com aquela garota daquele lugar que servia sopa para os pobres. Mas a verdade era que Becky não saía com ninguém havia uma eternidade, e uma
parte dela queria que Nita Lewis visse o que ela se tornara após a venda da empresa um ano antes.

Porque o dinheiro, no fim das contas, comprara alguém para cuidar de suas roupas, sua pele, seu cabelo, seu corpo.
E Becky Armstrong já não parecia a bocó de língua presa no Mini. Não tinha nenhum sinal exterior de riqueza, mas sabia que, aos trinta e três anos, carregava-a como uma fragrância invisível que o envolvia.
Elas se encontraram num bar no Soho. Ela  se desculpou por Reena ter lhes dado o bolo no último minuto. Tinha um bebê. Nita
disse isso erguendo uma sobrancelha ao fazer uma leve expressão de zombaria. Sam, Becky se deu conta muito tempo depois, nunca apareceu. Nita não perguntou sobre Saint. Becky não conseguia parar de olhar para ela. Estava igualzinha, porém melhor. Tinha um cabelo escuro que balançava nos ombros como em um anúncio de xampu. Estava
mais simpática do que ela se lembrava, mais humana. Talvez até as garotas populares voltassem um pouco a ter os pés no chão quando saíam dos limites da faculdade. Nita riu de todas as piadas dela. Becky conseguiu perceber a surpresa de Nita ao ver que ela não era a pessoa de quem se recordava. E isso a fez sentir-se bem.

Elas se separaram umas duas horas mais tarde. Becky não esperava vê-la de novo, mas ela ligou dois dias depois. Dessa vez, foram a uma boate. Becky dançou com Nita, e, quando ela ergueu as mãos
acima da cabeça, Becky teve que se concentrar muito para não imaginá-la presa a uma cama. Ela havia terminado recentemente um relacionamento, explicou por volta do terceiro ou quarto drinque. O rompimento fora horrível. Ela não tinha certeza se queria se envolver em nada sério. Becky respondia adequadamente à situação. Contou-lhe sobre Lara, sua ex-mulher, e sobre como ela lhe dissera
que Becky sempre amaria o trabalho mais do que tudo e que precisava deixá-la para preservar sua sanidade.

— Meio melodramático — comentou Nita.

— Ela é italiana. E atriz. Tudo com ela é melodramático.

— Era — Nita a corrigiu.

Manteve os olhos nos de Becky ao dizer isso. Observava sua boca enquanto ela falava, e isso, estranhamente, a distraía.
Ela lhe contou sobre a empresa: as primeiras versões experimentais que ela  e Saint haviam criado em seu quarto, as pequenas falhas do programa, as reuniões com um magnata da mídia que os levara ao Texas em seu jato particular e os xingara quando eles recusaram a sua oferta de aquisição do controle acionário. Contou-lhe sobre o dia em que abriram o capital, quando ela se sentou na beirada da
banheira acompanhando no celular o preço das ações subirem, subirem, e começou a tremer quando percebeu quanto toda a sua vida estava prestes a mudar.

— Você está rica assim?

— Vivo bem. — Sabia que estava perto de soar como uma idiota. — Quer dizer… vivia melhor antes de me divorciar,obviamente… Mas vivo bem.  Sabe, não estou muito interessada no dinheiro. — Deu de ombros. — Apenas gosto do que faço. Gosto da empresa. Gosto de ter ideias e transformá-las em coisas que de fato são úteis para as pessoas.

— Mas você vendeu a empresa?

— Estava crescendo muito, e me disseram que, se vendêssemos, os caras de terno
poderiam cuidar de toda a parte financeira. Nunca me interessei por esse lado das coisas. Apenas tenho várias ações. — Becky olhou para ela. — Você tem um cabelo muito bonito.

Não sabia por que dissera aquilo.

Becky a beijou no táxi. Nita Lewis virou devagarinho o rosto dela para o seu com a mão delicada, submetida a um perfeito trabalho de manicure, e a beijou. Embora fizesse mais de doze anos que tinham saído da faculdade — e que nesse período Becky Armstrong tenha até mesmo passado um breve tempo casada com uma modelo/atriz/o que for —, uma vozinha em sua
cabeça dizia: Nita Lewis está me beijando. E ela não se limitou a beijá-la: levantou a saia e deslizou uma perna esguia sobre a dela — aparentemente alheia ao motorista do táxi —, pressionou seu corpo no de Becky e deslizou suavemente as mãos por sua camisa até ela não conseguir falar nem raciocinar. E quando chegaram ao apartamento de Becky, suas palavras
saíram pastosas e idiotas, e ela não só não esperou o troco como também não conferiu o que estava no bolo de notas que entregou ao motorista.

O sexo era maravilhoso. Nossa, era bom. Nita se movimentava como em um filme
pornô, caramba. Com Lara, nos últimos meses, o sexo dava a sensação de que ela estava lhe fazendo um favor, o qual dependia de algum conjunto de regras que só ela parecia entender: se Becky lhe dera atenção suficiente, se havia passado tempo bastante com ela, se a levara para
jantar ou entendera como a tinha magoado.

Quando Nita Lewis olhou para Becky nua, seus olhos pareceram se acender com uma
espécie de fome. Nossa. Nita Lewis.

Ela apareceu de novo na sexta-feira à noite. Usava aquelas calcinhas malucas com fitas
nas laterais, que podiam ser puxadas e desamarradas, de modo que deslizassem lentamente coxas abaixo como uma ondulação na água. Depois, ela enrolou um baseado, e Becky não costumava fumar, mas sentiu a cabeça girar prazerosamente, pousou os dedos em seu cabelo sedoso e, pela primeira vez desde que Lara fora embora, sentiu que a vida era mesmo muito boa.

Então Nita disse:

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